No papel, todo plano funciona


“Tudo seria mais fácil, se não fossem as dificuldades.” - Barão de Itararé


Laerte Temple

17.01.2022

Aparício Torelly, jornalista e escritor gaúcho, auto agraciado com o falso título de Barão, é autor de inúmeras frases bem-humoradas. Em breve, os planos de governo dos candidatos ao Planalto trarão pérolas como: erradicar a pobreza em 100 dias, dobrar o PIB em 4 anos, acabar com a corrupção ou, não duvidem, enviar uma nave brasileira a Vênus. Lua e Marte já eram. Como na frase do Barão, tudo muito fácil e exequível, exceto pelas dificuldades.

Muitos se lembram de planos ou promessas mirabolantes como: “Varre Vassourinha” (varrer a corrupção); Fome Zero (só um slogan); Aero Trem (o Fidelix nunca ganhou a eleição); Caçador de Marajás (ativos e operantes); Trem Bala (bala de festim); Arco do Futuro (o que era isso?); Fim da corrupção (de novo?); Reformas e Prioridade à Saúde e Educação (promessa de todos). Nem vou falar dos planos econômicos contra a hiperinflação dos anos 1980, fracassos que ainda estamos pagando. A lista é longa, o papel aceita tudo e o eleitor crê em qualquer coisa, tal qual a “Velhinha de Taubaté” – personagem de Luiz Fernando Veríssimo que acreditava nos pronunciamentos do governo.

Fato curioso: O Parque do Ibirapuera foi criado para comemorar o 4o centenário de São Paulo e nele ergueu-se um belo monumento em espiral com inclinação de 60 graus. O desenho de Oscar Niemeyer também foi usado em cartazes, medalhas e flâmulas. A escultura desmoronou em pouco tempo e a causa provável foi um erro estrutural. Era muito bonito, mas só no papel.

Escultura comemorativa do 4o centenário.

Na foto, Lucas Nogueira Garcez (governador), Jânio Quadros (prefeito) e Getúlio Vergas (presidente).

Fonte: Arquitextos.

Assim como a escultura que não parou em pé, muitos planos de governo são ótimos, mas só no papel. Os candidatos se apresentam como inovadores, ainda que sejam os mesmos. Contratam consultorias caríssimas, desenvolvem planos milagreiros, sabem o que é melhor para o país e tudo o que precisa ser feito. Uma vez eleitos, abandonam os planos ou justificam o fracasso: culpa da oposição, do Judiciário, mídia, conjuntura externa, seca, enchente, herança maldita, etc. O povo não se lembrará de seu voto, nem das promessas. Em 4 anos virão novos planos fantásticos e raros eleitores refletirão sobre sua viabilidade. Vingarão os engodos que melhor convencerem.

Durante anos, apliquei um anagrama para estudar a viabilidade de ideias e planos: CARTE, iniciais de Custo, Adaptação, Recursos, Tempo e Efetividade. É simples e serve como roteiro preliminar. Vamos lá:

  • CUSTO. Quando custa (ideia, plano)? A análise deve envolver custo e benefício. Às vezes o custo é alto, mas o benefício compensa.

  • ADAPTAÇÃO. O que é preciso adaptar ou alterar (planos em vigor, legislação, etc.). O projeto pode ser barato, mas a adaptação cara ou inviável.

  • RECURSOS. Pessoal, tecnologia, materiais, instalações, etc. Existem ou é preciso comprar, contratar, desenvolver?

  • TEMPO. Quanto tempo demora o resultado? Os ingleses dizem que tempo é dinheiro e temos projetos parados há anos, custando caro e se inviabilizando.

  • EFETIVIDADE. O plano funciona? É melhor que a solução atual ou é “meia boca”, troca 6 por meia dúzia?

Quando abordava CARTE em aula, citava o caso da NASA, que nos anos 1950 gastou os tubos para fazer uma caneta funcionar em ambiente sem gravidade (no espaço). Os russos usavam lápis. Às vezes as ideias simples funcionam melhor que as complexas, mas é difícil realizar o fácil que dá certo.

É preciso analisar as propostas dos candidatos com o mesmo cuidado que se deve ter com os sites que vendem produtos a preços muito abaixo da concorrência, quase sempre falsos. Comprar de vendedor suspeito pode gerar pequeno prejuízo pessoal. Eleger candidato que apresenta planos milagrosos é prejuízo certo, enorme, de longo prazo e para todo o país. Pense nisso! Encerro com o impagável Barão de Itararé:

“A moral dos políticos é como elevador: sobe e desce. Mas em geral enguiça por falta de energia, ou então não funciona, deixando desesperados os infelizes que confiaram nele”.


Revisão ortográfica: Anne Preste


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