CRÔNICAS ‣ humor

Foto: Estátua dos Reis Magos em Natal RN

Como são belos os contos natalinos, apesar das mesmas histórias de sempre. Mas isso pode mudar. Na onda do politicamente correto, cotas, gênero neutro, LGBTQUIA+XPTO etc., os textos talvez sejam alterados para versões inclusivas, a exemplo do que aconteceu em Cucuí de las Palomas.

Três amigos resolveram debandar após às festas. Tomaram todas e pegaram três cavales (gênero neutro) que estavam amarrados num banco de praça, e uma sacola com fantasias. Vestiram os trajes, adotaram os codinomes Ariel Neutrox, Adis Graça e Tommy Lixando e saíram pela noite seguindo uma estranha luz verde. Após meia hora, viram que era um canhão laser de uma rave pós réveillon numa chácara. Entraram de penetra sem dificuldade, por causa dos seus trajes. Comeram, beberam e saíram. Como não deram grana ao flanelinha, os cavales tinham sumido.

Vizinho à chácara, tinha um galpão com algumas pessoas. Decidiram aplicar o golpe do PIX. Invadiram o local e viram um recém nascide (neutro) num cesto e um casal hétero (imaginem) em trajes estranhos.

— Viemos fiscalizar – disse Ariel. Documentos, por favor.

— Fiscalizar o que? – perguntou o homem.

— Vocês pagaram as taxas e a licença de nascimento?

— Que taxas? Somos estrangeiros e estamos de passagem.

— Vocês ocupam um imóvel da comunidade. Precisam pagar as taxas, inclusive do bebê. Aceitamos PIX – disse Tommy Lixando.

— Quem são vocês?

— Somos Reix locais.

— Reix? O que é isso?

— Nobres sem identidade de gênero, como manda a nova ordem.

— Estamos esperando três reis com presentes para o Salvador.

— Que Salvador?

— O recém nascido. Eu sou José e esta é Maria, minha mulher.

— Se vocês continuarem usando nomes, pronomes e artigos definidos, teremos de multa—los por isso também. Tudo tem de estar nos conformes e sem identidade de gênero, segundo a nova ordem.

— Voltávamos para nossa terra. Paramos aqui porque chegou a hora do parto. Meu convênio não cobre essa região – disse José, tentando retomar o texto original.

— Chi! A coisa está complicando. Passem o cartão bancário que nós mesmo faremos o PIX.

Maria, até então calada, olhou para o alto como que invocando ajuda. Alguém que observava a cena sentado sobre um grande armário, saltou e prostrou—se diante do trio. O cabra alto, forte, de pele alva e longos cabelos, trajava um saiote branco até os joelhos e calçava sandálias de tiras de couro cru. Antes que o trio dissesse qualquer coisa, ele sacou uma espada curta e larga e puxou a túnica de Adis Graça para limpar a lâmina.

— Posso ajuda—lix? É assim que se fala no seu dialeto?

— Isso mesmo – disse Adis Graça engrossando, para não se intimidar.

— Viemos fiscalizar e cobrar – disse Tammy Lixando.

— Quem é você? – perguntou Ariel Neutrex.

— Você não vai querer saber – disse a criatura. Meu nome é Gabriel. Agora vamos lá: Vocês têm carteira de identidade de Reix.

— Identidade de Reix?

— Sim. Serve o certificado de coroação. Também quero ver o Salvo Conduto e o Passaporte da Vacina.

— Não temos nada disso. Não precisamos. Somos...

— Chega! – gritou Gabriel. É o seguinte: isso aqui está muito sujo, tem esterco por todo lado e os animais precisam ser escovados. Cada unx pega uma tarefa. Vamos. Circulando – disse ao assustado trio enquanto acariciava a espada.

Nisso, chegaram três homens suados e esbaforidos. Cumprimentaram Gabriel, Maria, José e pediram desculpas pelo atraso.

— Uns engraçadinhos roubaram os cavalos e os trajes.

Gabriel deu um sorriso e assobiou chamando os três Reix.

— São as nossas vestes! – disse um dos homens.

— Não sei do que estão falando – falou Adis Graça.

— Cadê os cavalos?

— Calma, gente – interveio Gabriel. Estão com Herodes, ou melhor, com o carcereiro Silva. Ele está fazendo um bico como segurança na festa da chácara, reconheceu os animais e guardou. Puxei a capivara dos meliantes pelo celular. Todos atrasados para a reapresentação da saidinha de ano novo na Colônia Penal Agrícola de Cucuí. Agora que temos plateia, vamos ensaiar, porque a encenação é amanhã.

O soldado Almeida, a cabo Santana e o sargento Mendonça, ou melhor, José, Maria e Gabriel, repassaram as falas com os Reis Magos, o delegado e dois investigadores. Os três Reix assistiram calados e compenetrados, só de cueques e camisetes, enquanto as vestes secavam.

Findo o ensaio, aplaudiram, escovaram burro e vaca, recolheram o esterco, guardaram as roupas e o boneco (recém nascido) e foram escoltados até a delegacia. No dia seguinte, sob protestos de ONGs, imprensa e pessoal dos Direitos Humanos, o trio deixou a carceragem para atuar na encenação do Dia de Reis na Colônia Penal. Os internos adoraram e aplaudiram os colegas figurantes. O diretor perdoou o atraso. Vida que segue.

Revisão ortográfica: Leilaine Nogueira