Praça dos três Poderes

As pessoas mais poderosas de 3 vilarejos são um pastor, um comerciante e a dona do bordel. Daí o nome Praça dos 3 Poderes. Qualquer semelhança, é mera coincidência.


Laerte Temple

11.07.2021

Cucuí de Las Palomas, Cucamonga e Xiririca da Serra são vilarejos vizinhos e têm um ponto em comum: a tríplice fronteira, na confluência de seus limites, apelidada de Praça dos Três Poderes. A soma da população dos três vilarejos mal passa dos quatro mil habitantes, o que inviabiliza pontos comerciais em cada um deles. Bons serviços, lazer e comércio só são viáveis na equidistante Praça dos Três Poderes, que fervilha de dia e de noite.

O nome da praça é uma alusão às três pessoas mais poderosas da região: O pastor Melquisedec, que junto com a esposa e a filha, mantém cultos às terças e quintas à noite e aos sábados e domingos pela manhã. Nos demais horários ele atende em seu consultório odontológico, ao lado da igreja. Outro poderoso é o seu Manoel, dono de um empório à direita da igreja e também o único juiz de paz para toda a região. O lado esquerdo da igreja, defronte ao empório, abriga a sede do terceiro poder, o Cabaré da Madame Solange, onde os meninos maus das famílias boas se divertem com as meninas boas das famílias más. Além das atividades cabarelísticas, Madame Solange é a única pessoa na Tríplice Fronteira que possui Internet veloz, computador, salão de beleza e máquina de costura. Suas meninas são boas em e-commerce, média costura (aquilo não é alta costura), maquiagem, massagem e aplicação de injeção. Melquisedec, Manoel e Solange são conhecidos por uma ou outra atividade, por isso são poderosos. Daí o nome informal da praça.

A Tríplice Fronteira está agitada com a proximidade do fim de ano. O empório fatura, a igreja tem muitas atividades e os negócios da Madame Solange estão bombando: encomendas via e-commerce, maquiagem, pé, mão e cabelo, além das massagens relaxantes para cavalheiros.

Elaine e Tatiane, balconistas, encomendaram no e-commerce, um gravador, gemas semipreciosas, chocolates e fardos de palha de aço para o armazém. Alice comprou dois vestidos exóticos, uma enxada e uma túnica preta para o pai, o pastor. Gaspar, primo das meninas, encomendou um compêndio sobre Pablo Escobar. Madame Solange comprou paletós para as dançarinas e seringas descartáveis. Charlene, menina do Cabaré, anotou os pedidos à mão e Sofia, que faz as encomendas, confundiu-se com os produtos estranhos e com a péssima caligrafia de Charlene.

Em vez de gravador, gemas, chocolate e fardos de palha de aço, chegaram vibrador, algemas, chicotes e fardas de palhaço. Em vez de capa protestante e vestidos exóticos, dois vestidos eróticos para prostitutas, uma espada e capa preta. Em vez do compêndio sobre Pablo Escobar, um Corpete do Pablo Vittar. Tudo por conta das confusões de Sofia e Charlene.

Percebido o engano, foram reclamar com Sofia, mas riram ao ver o que cada uma recebeu. Madame Solange ouviu risos, e foi ver o que era. Espirituosa, convenceu o pessoal a vestir os trajes e se divertir com uma encenação improvisada no palco do cabaré enquanto ela filmava. Empolgada com a farra, Solange esqueceu que cedeu o salão para a assembleia do CCU (Centro Cívico Unificado), órgão dos três vilarejos.

Umas trinta pessoas, entre Conselheiros e convidados, aglomeravam-se junto à porta do Cabaré para ouvir as explicações do pastor quanto à escolha do local da assembleia que discutiria os rumos dos vilarejos face ao atual cenário político e econômico. Quando entraram no salão, ficaram boquiabertos, chocados com o que viram.

Gaspar, usando peruca, cartola um terninho preto sobre o corpete Pablo Vittar, fazia do vibrador um microfone e contava piadas escandalosas, para delírio das meninas do Cabaré, todas trajando paletós sobre minúsculos biquínis. Elaine e Tatiane, vestidas de palhaço, foram algemadas junto ao poste de Pole Dance. Duas dançarinas em trajes de prostituta chicoteavam uma delas e fingiam aplicar injeção no traseiro da outra, enquanto lhes tiravam notas falsas de dinheiro. Alice, filha do pastor, de capa preta e espada na mão, bocejava e ria vendo o espetáculo rolar em meio à bebida e som alto.

Os Membros do Conselho, escandalizados cobraram explicações do pastor, mas foi Madame Solange, espirituosa, quem tomou a palavra e disse:

Prezados membros do Conselho. Os senhores perdem horas todos os meses discutindo política, justiça, economia e não conseguem perceber o recado desta encenação improvisada?

Governantes indecorosos discursam disparates para apoiadores. Nobres parlamentares extorquem trabalhadores indefesos enquanto botam nos seus traseiros. A justiça sonolenta assiste a tudo impassível, diverte-se com a ópera bufa e nada faz. E os senhores vieram na assembleia analisar o cenário político e econômico? Está tudo aí! Só não vê quem não quer.

Após breve silêncio o juiz de paz, disse: só mesmo a dona do bordel para compreender a zona em que vivemos. Os conselheiros aplaudiram, as pessoas agradeceram e saíram de cena. O pastor declarou aberta a assembleia.

A Praça dos Três Poderes nunca mais foi a mesma.


Revisão ortográfica: Anne Preste


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