Entrevista: Ubirajara de Farias Prestes Filho

Um historiador na Câmara Municipal da cidade de São Paulo

por Bernadete Siqueira, Eduardo Mendes, Malu de Alencar, Myrian Becker e Sergio Cahen

04.07.2020

No dia 04/março/2020 entrevistamos o Prof. de História Ubirajara de Farias Prestes Filho, funcionário do Arquivo da Câmara Municipal de São Paulo para o site Cidadão e Repórter.

Historiador da Câmara Municipal de São Paulo desde 2008. Com formação e doutorado em História, único funcionário da Câmara Municipal com cargo de Consultor Técnico Legislativo (História), é responsável pelo livro “Câmara Municipal de São Paulo — Panorama Histórico”, disponível aqui.

História de vida

CeR: Prof. Ubirajara, gostaríamos de saber um pouco de sua história de vida: onde nasceu, infância, onde estudou.

Prof. Ubirajara: Nasci em 1978, em São Paulo, no bairro do Cambuci, cresci na região do Jaçanã/Parque Edu Chave até 1987. Meu pai era soldado da Polícia Militar e trabalhava na região central de São Paulo, mas a vida na cidade era cara — aluguel, transporte —, e decidiu se mudar para Carapicuíba; nessa época eu tinha 9 anos. Estudei em escola pública, em 1995 prestei vestibular e fiz a opção por História, pois tive bons professores na área de Humanas, que me influenciaram na escolha.

CeR: Você chegou a lecionar História em colégios?

Prof. Ubirajara: No segundo semestre da faculdade consegui aulas de substituição em uma escola particular, da 5ª a 8ª séries, e trabalhei num colégio ​adventista por 12 anos.

CeR: Você cursou mestrado após a faculdade?

Prof. Ubirajara: Sim, queria fazer mestrado e comecei a desenvolver um projeto sobre Missões entre povos indígenas no início do século XX. No projeto de pesquisa, busquei documentação que tivesse relação com a igreja adventista e os projetos do passado em relação aos povos indígenas. Em 2001, viajei para os EUA em busca de documentação; fiquei um mês em Washington, pesquisando as informações existentes referentes aos missionários que vieram ao Brasil entre 1910 a 1940, consegui cartas, diários, um material muito importante.

No início de 2002, iniciei o mestrado em Antropologia na UNICAMP, porém cursei somente um semestre, já que o meu interesse era fazer mestrado em História na USP. Logo uma orientadora da USP aceitou o meu projeto focado na etnia Karajá, do Rio Araguaia, em Goiás. Como estava com muita documentação de outras regiões, que trouxe dos EUA, a orientadora Nanci Leonzo propôs que ampliasse o projeto de pesquisa e que fizesse o doutorado direto.

CeR: E como ficou a sua atividade de professor?

Prof. Ubirajara: Em 2004, prestei e passei em um concurso para professor na rede pública do Estado, em Carapicuíba, cidade onde morava. Em 2006, cursei com uma bolsa da CAPES, no final desse mesmo ano terminei a tese que defendi no início de 2007. A tese está disponível no site do banco de teses da USP “O Indígena e a Mensagem do Segundo Advento: missionários adventistas e povos indígenas na primeira metade do século XX”.

CeR: Qual foi a sua opção após a conclusão do doutorado?

Prof. Ubirajara: Com o doutorado concluído, aumentei minha carga horária como professor de ensino fundamental e médio. Em meados de 2007, vi um cartaz na sala dos professores da escola, referente a um concurso para a Câmara Municipal de São Paulo. Era uma vaga para historiador com a nomenclatura do cargo de Consultor Técnico Legislativo (História).

Passei em 1º lugar e empatado com outro candidato. O critério de classificação para o desempate foi a titulação; o outro candidato tinha mestrado e eu o Doutorado, ficando assim com pontos a mais. Digo que foi um presente estar aqui, mas poderia ser outra pessoa. Ótimos profissionais participaram do concurso.

Câmara Municipal

CeR: Ao assumir o cargo, como foi esse início na Câmara Municipal?

Prof. Ubirajara: Depois de aprovado, descobri que iria trabalhar no Arquivo da Câmara Municipal. Eu não tinha experiência em arquivologia, era professor com experiência em educação, com a questão de religião, antropologia e com povos indígenas.

A minha linha de estudo não tinha a ver com São Paulo especificamente, embora tivesse nascido na cidade, e nem com a área de acervos, arquivologia, organização de arquivos, etc.

Fui então estudar, por meio de cursos, leitura, enfim tudo sobre arquivologia. Tive uma supervisora (Viviane) que tem muitos conhecimentos e me ajudou a entender todo esse universo na Câmara Municipal, fui me inteirando da instituição e sobre a arquivologia.

CeR: Qual foi o seu primeiro desafio na Câmara Municipal?

Prof. Ubirajara: Em 2010, recebi a proposta para preparar um material referente à comemoração dos 450 anos da Câmara Municipal, foi um desafio que recebi da Assessoria de Imprensa da Casa e em tempo curto — o tema era sobre a História da Câmara.

Como já estava lendo sobre a história de São Paulo e da Câmara Municipal escrevi o livro “Panorama Histórico da Câmara Municipal de São Paulo”, que está na 2ª edição, onde faço uma síntese da história da Casa desde o século XVI até os dias de hoje. Esse material se encontra no site da Câmara: Centro de Memória - Câmara Municipal de São Paulo

Desde esse período, sempre que há oportunidade em eventos ou aulas na escola do Parlamento sou convidado para falar sobre a História da Câmara e de São Paulo. Produzi também outros textos sobre a história da instituição.

CeR: Dentro do organograma da Câmara Municipal onde está o setor de Arquivo?

Prof. Ubirajara: O Arquivo está dentro de uma estrutura chamada Secretaria de Documentação, que é formada pelos setores: Arquivo, Biblioteca, Documentação do Legislativo, e esta Secretaria está vinculada à Secretaria Geral Parlamentar.

Existem funcionários com várias formações na Secretaria de Documentação e a principal carreira é de Biblioteconomia.

Atuamos articulando biblioteca, legislação, indexação de leis, atas e anais da Câmara, que são trabalhadas no 2º andar e os originais ficam no Arquivo. Todos esses serviços são integrados, subsidiando pesquisas internas e externas, entre outras atividades.

CeR: Quanto tempo você atua somente no Arquivo?

Prof. Ubirajara: Fiquei quase seis anos trabalhando no Arquivo como Supervisor e recentemente uma das bibliotecárias (Daniela) assumiu a supervisão e agora trabalhamos juntos. Com isso poderei retornar aos projetos e pesquisas referentes à história de São Paulo e da Câmara. E nesse período publiquei o livro, fiz algumas colaborações em artigos, fui descobrindo a história de São Paulo tanto por ter nascido e por ter familiares aqui; toda essa história nos identifica com o tema, li, escrevi, estudei a dinâmica de crescimento da cidade.

CeR: Como sua vida se relaciona com a história da Câmara?

Prof. Ubirajara: Circulei por vários pontos da cidade por conta da própria experiência de vida pessoal. Na Câmara encontram-se documentos que tratam da expansão da cidade, do crescimento, das disputas políticas, conflitos, projetos, onde se vê a relação da Câmara com tudo que foi acontecendo em São Paulo. A Câmara era a única instituição administrativa desde o período colonial, vem antes das assembleias, antes dos governos estaduais, ela é a instituição política original do começo da cidade, está vinculada à história institucional da Câmara com a de São Paulo.

CeR: Como estão os arquivos da Câmara na era digital?

Prof. Ubirajara: O material que foi digitalizado (dentro do projeto de digitalização) pode ser consultado por meio da internet, material esse bastante rico que mostra as decisões da Câmara desde o começo. Os projetos legislativos também foram digitalizados.

A partir de 1903, os registros feitos em Atas passam a ser registros dos discursos completos, são os Anais da Câmara, quando começou o trabalho da taquigrafia que é o registro do discurso na íntegra. Um material muito interessante referente ao que se falava no plenário em cada período.

Ao elaborar um texto para um livro do TRE sobre a Legislatura em São Paulo de 1936 e 1937, li bastante os Anais e Discursos da época e encontrei materiais superinteressantes.

Temos a documentação original da Lei Orgânica de 1990 e um material consolidado da própria Câmara. Na época houve muitas propostas públicas, a população se manifestava também, podiam escrever alguma proposta, isso tudo está arquivado.

CeR: Dos registros existentes, como foram as discussões que levaram à Lei Orgânica?

Prof. Ubirajara: Os debates que aconteceram entre 1988 e 1990, período de mudanças políticas no Brasil, houve a Constituição, havia ainda um embate de mentalidades mais restritivas em relação aos espaços públicos dentro da Câmara, havia vozes mais antigas que achavam que não podia trazer a toda hora a população para dentro da Câmara, enquanto outros já entendiam que, com a democracia, precisavam da população aqui.

Quando se lê o documento da Lei Orgânica parece bem ordenado, bem lógico e óbvio, mas na verdade para chegar àquele resultado houve muito debate, disputas, discussões até chegar no texto, foi um período de bastante efervescência.

CeR: E quais são os seus projetos para o ano de 2020 no setor de Arquivo?

Prof. Ubirajara: Temos alguns projetos que envolvem a questão histórica e da arquivologia e o trabalho com documentação digital, que é um grande desafio. Temos arquivado documentação completa desde 1948.

Já a documentação de meados de 1892 a 1937 não está completa, é um material em papel, que foi organizado e digitalizado.

Outro desafio é a produção do documento que nasce digital, o nato-digital. Existem cuidados a serem tomados, para que a produção de documentos tenha a mesma legalidade e a mesma autenticidade de um documento em papel e que possa ser preservado como documentação, da mesma forma que o papel. Têm documentos de guarda permanente e outros que não são de guarda permanente, mas, para que sejam um dia eliminados, precisam ser aprovados através de uma tabela de temporalidade. Temos uma Tabela desde 2010 na Câmara, com a relação dos documentos e o prazo de guarda, que deverá ser revista para incluir documentos novos. O fato é que toda documentação legislativa produzida em plenário é considerada documentação histórica, então temos o compromisso de guardá-los para sempre, uma guarda permanente.

Temos documentos que precisam ser guardados variando de 47 anos a 100 anos. Nada na Câmara pode ser eliminado sem dar publicidade, nenhum dos processos pode ser descartado sem que isso seja publicado no Diário Oficial informando as razões. Exemplificando: uma documentação de Recursos Humanos de um funcionário de 1950, que já passou do prazo para os fins de RH e daquela pessoa, essa não precisa ser mantida, por questão de espaço, mas para eliminar precisa ser publicado no Diário Oficial e um familiar que quiser pegar essa documentação para olhar e analisar terá o prazo de 30 dias para fazê-lo.

Há todo um cuidado para que não seja eliminado nenhum material histórico ou que garanta direitos de alguém, o Arquivo tem uma função que é histórica e também uma função de prova e garantia da lei.

Repórteres do CeR com Ubirajara

Um dos projetos é tratar da documentação digital, o que já vem sendo feito pela Secretaria de Documentação e pelo Centro de Tecnologia da Informação.

Outra ideia é pensar em projetos que têm a ver com a história da Câmara e a divulgação dessa história. Tem a revisão da Tabela de Temporalidade, que é um mapeamento de toda a documentação produzida na Câmara, trabalho bem difícil, preciso conversar com todas as pessoas, ver o que produzem, porque elas não têm noção do conjunto todo, da importância daquele material que está em suas mãos; às vezes, estão manipulando ou produzindo um material que é histórico, no geral têm noção do imediato e não da perspectiva a longo prazo.

Por isso, a Biblioteca e o Arquivo em uma instituição têm o papel de conscientização sobre a memória, somos o elo entre o passado e o presente e a garantia do futuro. No caso do vereador, ele tem a preocupação imediata do problema presente, essa é a função dele — discutir as questões atuais e fazer planos para o futuro, mas a responsabilidade de fazer esse vínculo do passado com o presente e guardar o que é produzido hoje para que as gerações futuras saibam o que foi feito agora são de responsabilidade do Arquivo e da Biblioteca. A área de documentação no geral, tem a função de memória, é uma função de fornecer informação para pesquisa, de orientar as pessoas, de indexar o que é produzido atualmente.

Entrevista concedida no dia 04/03/2020 à equipe do Cidadão e Repórter.
Revisão: Maitê Ribeiro

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