Entrevista: Alexandre M. Barbuto

por Sonia Okita

01.11.2020

Cidadão e Repórter entrevista o Dr. Alexandre M. Barbuto, especialista em imunologia da USP.

Saiba quando será possível a vacinação em massa contra a Covid-19, quais os cuidados a tomar e as lições que aprendemos nesta pandemia.

O Professor Dr. José Alexandre M. Barbuto é médico formado pela Faculdade de Medicina da USP, especialista em Imunologia e suas pesquisas têm foco em oncologia e vacinas contra o câncer. Seus trabalhos e publicações científicas são reconhecidos internacionalmente, pela relevante contribuição que dá à área médica.

Nesta entrevista ao CeR, Dr. Barbuto explica em linguagem simples e direta sua opinião sobre as vacinas contra a Covid-19:

CeR: Quando as vacinas contra a Covid-19 poderão ser usadas pela população?

Dr. Alexandre:​ Esta é uma pergunta muito difícil de responder...

A questão pode ser vista de dois pontos de vista diferentes. Sob o primeiro, que se preocupa, principalmente, com os efeitos indesejáveis (ou adversos) da vacina é até possível fazer previsões mais seguras. Isso porque os efeitos adversos de uma intervenção no organismo já são, de certa forma, esperados e têm mecanismos conhecidos. Assim, é possível prever o tempo para que possíveis efeitos adversos se manifestem após aplicar a vacina em um grande número de pessoas, o que indicaria o começo do ano de 2021 como uma data-limite para se ter esses dados e, não havendo nenhum comportamento muito aberrante das vacinas em teste, elas poderiam ser usadas amplamente a partir daí.

Todavia, só teria sentido usar qualquer vacina se ela se mostrasse eficiente contra a doença e, no caso da Covid-19, acredito que isso possa demorar mais... As vacinas hoje em uso foram desenvolvidas contra doenças já bastante conhecidas, cujo comportamento no organismo, tanto na geração de lesão e quanto na recuperação, já eram razoavelmente bem conhecidos. Assim, ao se testarem as vacinas foi possível, antes mesmo de medir a proteção que elas conferiam (o que é, na verdade, a medida real da eficácia da vacina), avaliar sua capacidade de induzir as respostas que se sabia estarem associadas com a proteção. Assim, para uma doença com mecanismos conhecidos, caso se iniciem testes com uma vacina e ela não induza no organismo as respostas que se deseja, já se pode começar a “corrigir” a estratégia, buscando atingir essas respostas. Isso pode aumentar muito a velocidade de aperfeiçoamento da vacina, para que se chegue a uma vacina realmente eficaz.

Infelizmente, no caso da Covid-19, apesar da velocidade incrível com que se está conseguindo aprender (muito!) sobre ela, ainda há dúvidas sérias quanto aos mecanismos centrais da doença. Isso nos deixa totalmente dependentes das medidas de proteção dos indivíduos vacinados, como a da eficácia da vacina. Sem dúvida essa é a medida definitiva, mas ela demora mais para ser alcançada – é preciso esperar que as pessoas adoeçam (ou não) naturalmente, para poder, então, medir a proteção conferida pela vacina aos que a receberam.

"O que não tivemos tempo ainda de observar é quanto dura a imunidade na maior parte da população – e só saberemos isso com o passar do tempo mesmo..."

CeR:​ Na sua visão essa doença veio para ficar? Qual a melhor forma deprevenção?

Dr. Alexandre:​ Eu não tenho formação suficiente em epidemiologia para fazer uma previsão acurada, mas minha impressão é de que a Covid-19 vai acabar “passando” de vez. Quer porque terá infectado todas as pessoas suscetíveis – ela continua a se espalhar pelo mundo todo e, eventualmente, será bloqueada pela imunidade geral da população – quer porque se conseguirá bloquear sua transmissão “artificialmente” com uma vacina eficaz. Neste caso, o ideal será vacinar toda a população – e se achamos que isso seria “demais”, devemos lembrar que a varíola não existe mais no mundo, graças à vacinação! Mas existem dois pontos que precisam ser considerados. O primeiro ponto, que pode pôr em questão o desaparecimento da Covid-19, é nossa ignorância quanto ao comportamento dela mesma. Embora tudo indique que ela é uma doença que induz imunidade eficaz, ainda não temos certeza disso... Ainda é possível supor que a imunidade contra ela não seja tão duradoura que possa impedir completamente uma reinfecção ainda que mais branda. Note-se que os relatos de casos esporádicos de reinfecção não são o que preocupa, porque são muito raros e podem estar associados a indivíduos com constituição genética muito rara também.

Se a imunidade decair muito rapidamente (o que seria surpreendente diante do que se sabe sobre infecções semelhantes), a Covid-19 poderia se manter “para sempre” entre nós, talvez não tão agressiva como foi nessa primeira “invasão”, mas sempre uma possível ameaça a nossa saúde.

Outro ponto a considerar, quando se pensa na Covid-19 é que, como o SARS-CoV-2, que é o vírus causador da Covid-19, outros vírus podem “saltar” para os seres humanos e provocar doenças semelhantes, do ponto de vista de disseminação e gravidade. Isso porque continuamos a romper barreiras naturais, desde aquelas que, antes, separavam os diferentes agentes infecciosos da população em geral (podemos lembrar da “úlcera de Bauru”*, um exemplo brasileiro disso) até aquelas decorrentes da distância, que separavam as pessoas ao redor do mundo.

Afinal, o que podemos e devemos ter aprendido é que medidas de higiene, tão simples quanto lavar as mãos, não tossir sobre os outros, não sair de casa quando se está com uma infecção contagiosa, são um grande aliado na prevenção de doenças infecciosas – da Covid-19, passando pela tuberculose, até o resfriado comum!

Instituto de Ciências Biomédicas da USP - Cidade Universitária, São Paulo, Brasil

*A úlcera de Bauru ou leishmaniose tegumentar, popularmente conhecida como “ferida brava” é uma infecção causada por um protozoário do gênero Leishmania, transmitida pela fêmea do mosquito-palha semelhante ao pernilongo, porém, menor. Em razão da destruição da mata nativa, a doença, que é endêmica da Amazônia, tem ocorrência em várias regiões, não se restringindo apenas às florestas, mas também a ambientes urbanos.


Revisão: Maitê Ribeiro

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