Novos velhos hábitos

por Cleo Brito

17.06.2020

Cine drive-in

Uma célebre frase de Antoine Laurent Lavoisier "Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma" vem regendo também as atitudes e criatividades de sobrevivência no século XXI.

As notícias sobre as implantações de cines drive-in me fizeram novamente visitar o passado, lá pelo final da década da 1950. Nessa retrospectiva cheguei ao Padre Albano, então pároco da Igreja Dom Bosco no bairro Alto da Lapa em São Paulo. Naquela época, lá existia uma pequena e linda capela, que foi substituída pela atual Paróquia de São João Bosco.

O Padre Albano foi uma figura muito importante para a comunidade local. Ele conhecia e se importava com todos, sempre promovendo ações sociais e culturais junto aos paroquianos. Com intuito de manter os jovens ocupados com esporte, formou um time de futebol — São Domingos Sávio —, recrutando pessoalmente cada menino. Com a batina amarrada ele jogava e era também o técnico.

Outra ação marcante foi justamente o cinema ao ar livre, quando ele expunha uma tela no pátio junto à antiga Capela. Eu era muito pequena e só me recordo de um filme: "O Semeador de Felicidades", mas guardo agradáveis lembranças, de pessoas subindo a rua Pio XI, cada qual com a sua cadeira – e as crianças também com as suas cadeirinhas.

O cinema ao ar livre, inicialmente, surgiu na cidade de Las Cruces, no México, por volta de 1915. Ganhou maior projeção quando passou a usar espaços em estacionamento, isso em 1932, pelo norte-americano Richard Hollingshead. No Brasil, foi na década de 1970 que foram surgindo os cines drive-in, com grande sucesso. Isso porque, nesse evento, toda família era bem-vinda e algumas pessoas já iam vestidas com pijama e com o cobertor preparado, dispostas a comer um cachorro-quente ou a namorar.

As pessoas que residiam próximas aos espaços para projeção também se beneficiavam, como o caso dos filhos do meu marido Nelson, o Marcos e a Gina, que da janela do quarto disputavam o binóculo para ver os filmes que passavam no cine drive-in, principalmente quando eram desenhos animados.

No auge, os cines drive-in foram considerados grandes negócios para as produtoras e inclusive para as cadeias de fast-food. Com a chegada das grandes redes de cinema na década de 1980, porém, os cines drive-in foram desaparecendo.

Assim como na natureza, a cultura também se transforma e se beneficia das grandes invenções. Hoje, o sistema retorna como uma tábua de salvação para o universo da projeção de cinema.

Uma ideia bem-vinda, principalmente para os saudosistas e amantes do cinema, que ficaram temporariamente órfãos do prazer de presenciar os filmes preferidos na grande tela. Considerando o necessário isolamento social, essa modalidade de entretenimento também é uma opção para manter a fidelidade com a sétima arte.

O momento nos impulsiona a criar ou transformar caminhos, como o Petra Belas Artes, que firmou uma parceria com o governo estadual para criar o primeiro cinema drive-in paulistano de 2020. O local escolhido foi o Memorial da América Latina. O Centro de Tradições Nordestinas (CTN) também se mobilizou para promover o cine drive-in, em seu estacionamento, organizado em parceria com a rede Centerplex Cinemas. Outras redes também tomaram inciativas para viabilizar este tipo de entretenimento.

A cada etapa do ciclo da vida é evidenciada a necessidade de transformação da humanidade — e, às vezes, ela se dá ao retomar velhos caminhos.


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Revisão: Maitê Ribeiro