A pandemia e o nosso cotidiano

por João Aranha

11.12.2020

Figura disponivel na Internet utilizando a obra 'Operários' de Tarsila do Amaral

Estamos prestes a completar um ano do primeiro aparecimento de um caso de coronavírus no Brasil.

Decorrido esse prazo e sem que haja sinais de arrefecimento do vírus, alguns aspectos merecem ser lembrados. São fatos que devem se tornar lições para todos nós, podendo e devendo ser evidenciados.

Infelizmente, nosso país vive, paralelamente, uma outra epidemia: o negacionismo. É difícil mensurar até que ponto foi relevante a posição de nosso principal mandatário - ao subestimar a doença, minimizar seus impactos e utilizar termos depreciativos (maricas) - na contribuição ao descaso e abandono das mínimas precauções que influenciaram e continuam a influenciar o comportamento dos brasileiros.

Considerada uma doença que atinge prioritariamente velhos e os de saúde mais frágil (ou aqueles que não tinham “passado de atleta”), exacerbou o individualismo e criou uma situação de que “não tenho nada a ver com isso e não posso fazer nada”.

Esquecem-se os que assim pensam, que vivemos em uma sociedade e em comunidades onde todos devem respeitar seus direitos e deveres democráticos de cidadãos, assim como os mesmos direitos e deveres são válidos também para nossos concidadãos. E a primeira constatação desse fato é que atos individuais afetam a sociedade como um todo e vice-versa.

Assim, jovens que não se cuidam levam a doença para suas casas. Países que não se preparam e põem interesses pessoais acima daqueles dos seus comandados, lideram as estatísticas de casos e de mortes.

A ignorância de que somos seres interdependentes, de outros irmãos nossos e do meio ambiente que nos cerca, nos leva a um mundo de insensatez, de egoísmo e de arrogância daqueles que se julgam mais fortes e mais bem preparados.

É nessas horas de dúvidas, descréditos e sofrimentos que a desigualdade social se descortina com todas suas mazelas em nossas caras.

Há um enorme contingente de pobres, quase pobres e futuros pobres. Como fazer isolamento social, quando famílias se aglomeram em casebres? Como contar com os serviços públicos de saúde se os mesmos, apesar de todos os esforços de seus integrantes, estarem com sua capacidade máxima de atendimento? Como ter oportunidade de trabalho numa situação que já era fragilizada pela globalização e pela tecnologia e que agora se intensifica ainda mais com a redução das atividades industriais, comerciais e de serviços, sem que haja uma contrapartida de, por exemplo, uma política de renda mínima? Como estudar remotamente num país que tem uma rede deficiente de internet e que 45% de sua população não tem acesso à essa tecnologia?

Se olharmos com atenção ao nosso redor veremos que o nosso planeta está chegando ao ponto limite de regeneração dos seus ecossistemas. Habitats estão sendo destruídos e animais silvestres, carregados de micro-organismos que nos afetam, estão se aproximando perigosamente de nossas cidades. Desmatamentos, queimadas, prioridades de políticas que visam aproveitar para “passar a boiada”, tudo contribui para um caos ambiental cujo maior prejudicado seremos nós mesmos.

Não seria essa a hora de priorizarmos a saúde, em todos os seus aspectos, sanitários, sociais, econômicos? Não seria a hora de repensarmos o que estamos fazendo com o meio que nos cerca que embora pareça infindável e autossustentável, não cansam de nos alertar que nós, os seres humanos, estamos nos tornando o vírus invasor desse mundo natural maravilhoso que nos foi dado de graça?

Os que pouco tem saído de casa devem agora abrir seus guarda roupas, verificar o quanto de supérfluo existem neles; analisar o que de importante lhe trouxe o excesso de bens materiais, o quanto de desperdício e o quanto de reciclagem caracterizou seu consumo; enfim, não estaria na hora de uma reflexão sobre o que é supérfluo e o que é essencial. Que tudo melhore, mas que não volte ao normal. Que o passado impulsione o melhor de nosso futuro.


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