Paralimpíadas no mundo real - Habilidade


Aprendendo com os atletas com deficiência a competir pela vida: os Jogos Paralímpicos trouxeram belas histórias de pessoas extraordinárias capazes de provocar impacto para mudar a maneira de ver o mundo.


Sonia Okita

27.09.2021

Cia. Dança sem Fronteira (imagem Rede Brasil Atual)

Para além das Paralimpíadas, como é a realidade do cotidiano de pessoas com deficiência e como são tratadas?

“Aceitar a deficiência é o primeiro desafio, e olhar a realidade com lucidez e se reinventar não significa assumir derrota”, escreve Filipe Oliveira, o blogueiro do Haja Vista; é graduado em música e tem deficiência visual. Segundo ele, são muitos os que ainda não conseguiram encarar a própria deficiência, física ou mental, e não deixam o potencial florescer para mudar a própria percepção de que tudo pode ser diferente para melhor. São pessoas com limitações de visão que se recusam a usar uma bengala, e outros que ao invés de uma confortável cadeira de rodas optam por uma muleta inadequada, além dos que nem saem de casa por vergonha do próprio corpo. Esse olhar cheio de estigmas contamina, junto com a falta de fé em si mesmo.

Os atletas paralímpicos competindo em provas dificílimas e de alto rendimento são a demonstração das potencialidades escancaradas no universo das deficiências, e mostra que a realidade de todos é sempre cheia de significados e conquistas para quem busca o melhor de si mesmo a cada dia. E acreditar é preciso, quando houver alguém que perceba um potencial, talvez só por sorte.

O apoio da avó do nadador Gabriel Bandeira o impulsionou na estreia nas Paralimpíadas de Tokyo 2020.

Gabriel Bandeira e a avó, dona Carmen Bandeira - Foto: Arquivo pessoal


Com quatro medalhas em cinco provas disputadas, Gabriel marcou uma estreia espetacular nos Jogos Paralímpicos, na classe S14 (para quem tem deficiência intelectual). Até os 19 anos, nunca havia disputado no esporte adaptado, quando em 2020 começou a competir em diversas modalidades da natação. Mas para chegar até aqui, teve altos e baixos e a avó Carmem Bandeira, 57, que foi quem o criou no interior de São Paulo, nunca deixou de acreditar que Gabriel ainda daria o seu melhor. Ele tinha dificuldades na alfabetização e ela reforçava os estudos em casa, assim como o incentivava na prática esportiva. Desde os 11 anos já era destaque nas piscinas, aos 16 apresentava dificuldades de memorização, fez o teste de QI e se comprovou a deficiência intelectual. Depois de intensos treinamentos, aos 19 anos Gabriel estava apto a competir no esporte paralímpico. Mudou para o Praia Clube de Uberaba, e foi muito bem recebido, o que o deixou feliz por poder ser ele mesmo. Logo na sua estreia como paratleta em fevereiro de 2020, em Brasília, já conquistou 6 medalhas de ouro, com a quebra de quatro recordes brasileiros. Em junho de 2021, aos 21 anos, disputou pela primeira vez uma competição internacional no Campeonato Europeu em Portugal, e ganhou seis provas com recordes continentais. Nas comemorações, sua avó sempre recebe o primeiro agradecimento pois é a parceira inseparável.

Veterana de Jogos Paralímpicos, a velocista Verônica Hipólito, medalhista no atletismo nos Jogos do Rio-2016, não conseguiu se classificar para 2020, e descobriu a volta de um tumor no cérebro, depois de já ter feito inúmeras cirurgias. Desde a infância problemática devido a tumores cerebrais, seus pais foram os grandes incentivadores para que pudesse se capacitar e participar de eventos esportivos em diversas modalidades.

Sem poder participar como paratleta em Tokyo, Verônica, a corredora da classe T38 (para quem tem paralisia no corpo) foi então convidada para ser comentarista no canal SportTV e fez muito sucesso com seus tuítes do “Manual da Paralimpíada”: não olhe para a deficiência, olhe para a EFICIÊNCIA. A potencialidade! Sem usar o “que superaçãããoooo” só por ver alguém sem perna, braço, cadeirante, cego/baixa visão ou com paralisia. A gente treina pra carambaaa para estar lá”, escreveu. O post viralizou e difundiu seu ativismo contra o capacitismo, mas de forma divertida, e diz que “pessoa especial é aquela para quem você paga uma pizza, não alguém com deficiência”.

A corredora Verônica Hipólito e o nadador Daniel Dias que encerrou a carreira em Tokyo 2020

O veterano nadador paralímpico Daniel Dias, 33 anos, se despede das competições como o maior paratleta brasileiro encerrando sua carreira com espetacular conquista de 27 medalhas (14 de ouro, sete de prata e seis de bronze), com participações em quatro edições dos Jogos Paralímpicos. Agora, aposentado das piscinas, deve trabalhar no Instituto Daniel Dias, que criou em 2014 dedicado aos atletas paralímpicos, e atuar nos bastidores do esporte - ele é membro da Assembleia Geral do Comitê Paralímpico Brasileiro e da Comissão Nacional de Atletas. Em Tokyo 2020, foi eleito membro do Conselho de Atletas do Comitê Paralímpico Internacional (sigla IPC, em inglês) e com outros cinco membros irá trabalhar no apoio aos atletas com deficiência dentro e fora das competições.

Daniel inspirou muitos outros a se tornarem nadadores, tendo ele mesmo se inspirado em Clodoaldo Silva, também campeão paralímpico, aposentado das piscinas. Daniel tem má formação congênita nos braços e na perna direita. Desde menino, já brincava pedalando bicicleta e tocando bateria, habilidades que o incentivaram para o esporte, com total apoio dos pais.

O apoio da família, o olhar sensível de profissionais educadores e da área da saúde, escolas e entidades parceiras de reabilitação e organizações do esporte fazem a grande diferença na vida das pessoas com deficiência, outrora considerada inábil e inválida sem exercer plenamente a participação na sociedade.


Matéria relacionada:

Paralimpíadas no mundo real Parte 2 - Empregabilidade


Revisão ortográfica: Leilaine Nogueira


Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade exclusiva de seus autores e pode não ser necessariamente a opinião do Cidadão e Repórter.Sua publicação têm o propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo