Paralimpíadas no mundo real - Empregabilidade


No mundo real as batalhas são bem mais duras e constantes. As políticas públicas que deveriam promover a inclusão apresentam falhas e desvios dos objetivos de incrementar a inclusão de pessoas com deficiência.

Sonia Okita

29.09.2021

Luciano Oliveira entrega comida pela Paulista e regiões próximas em uma cadeira de rodas

Mara Cristina Gabrilli, psicóloga, publicitária e política, sobreviveu a um acidente de carro, mas quebrou o pescoço e ficou tetraplégica.

Senadora Mara Gabrilli - 30 anos da Lei das Cotas. O que os brasileiros têm a celebrar?

“O trabalho é sem dúvida uma das principais ferramentas de inclusão social de qualquer ser humano.

Além de garantir dignidade, proporciona também bem-estar, poder de consumo e uma vida com perspectivas. Este pensamento sempre norteou minha atuação como parlamentar, bem como todo o segmento da pessoa com deficiência. Isso, contudo, não é o que o nosso governo vem mostrando na prática”, escreve Mara Gabrilli em seu site (Lei de Cotas para PCD 8213/91 - Lei Nº 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991, conhecida como lei de contratação de pessoas com deficiência nas empresas. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm

Mara destaca que neste momento, infelizmente, enfrentamos algumas medidas do governo federal que configuram retrocessos imensos, com um viés bastante capacitista, e que conflitam diretamente com a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e com a Lei Brasileira de Inclusão (LBI). Trata-se do Projeto de Lei 6159 de 2019, em que as empresas, ao invés de contratarem os trabalhadores com deficiência, poderão ter outras alternativas, inclusive com pagamento de valores para não precisarem mais contratar. Não é a multa por descumprimento da Lei de Cotas, que temos hoje. Ao contrário, seria uma tarifa, que o governo receberia para a empresa deixar de contratar. É um verdadeiro absurdo que fere o direito ao trabalho, coloca em risco as pessoas já empregadas e fecha as portas para as demais pessoas com deficiência, deixando as ainda mais vulneráveis”, declara. Este Projeto está em tramitação na Câmara Federal.

Além disso, “não satisfeito em atacar o direito ao trabalho, o atual governo atacou a educação inclusiva, que é a política que mais contribui para combater o preconceito e para tirar as pessoas da miséria e da invisibilidade. Lutamos há décadas para não haver mais recusa de matrículas, algo que é crime, e o governo vem com uma medida que impõe como política de educação a segregação dos alunos com deficiência. São medidas muito cruéis às políticas de inclusão. Tudo isso em plena pandemia”, revela a senadora. Leia mais detalhes em https://maragabrilli.com.br .

Ainda, “a LBI possibilitou o trabalho com igualdade de remuneração, o estímulo à capacitação simultânea à inclusão profissional e o direito do trabalhador com deficiência de sacar o FGTS para comprar cadeira de rodas, órteses e próteses. Todos esses direitos já estão em vigor. São inovações na legislação das quais temos muito orgulho e não vamos permitir qualquer retrocesso”, argumenta Mara Gabrilli.


Lei Brasileira de Inclusão de 2015 (LBI)

A Lei Brasileira de Inclusão ou Estatuto da Pessoa com Deficiência, é um conjunto de normas destinadas a assegurar e a promover, em igualdade de condições, o exercício dos direitos e liberdades fundamentais por pessoas com deficiência, visando a sua inclusão social e à cidadania.

A Lei foi editada em 06 de julho de 2015, e passou a ter validade no dia 03 de janeiro de 2016, beneficiando mais de 45 milhões de brasileiros que possuem algum tipo de deficiência, de acordo com os dados do IBGE. Foi efetivada conforme a Convenção Internacional da ONU sobre Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinado pelo Brasil em Nova York em 30 de março de 2007.

A principal inovação da LBI foi a mudança no conceito jurídico de “deficiência”, que deixou de ser considerada como uma condição estática e biológica da pessoa, passando a ser tratada como o resultado da interação das barreiras impostas pelo meio com as limitações de natureza física, mental, intelectual e sensorial do indivíduo, conforme disposto no artigo 2º, a seguir:

Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

No entanto, mais do que o conceito de deficiência, a LBI trata de diversas ferramentas para garantir que todos os direitos das pessoas com deficiência sejam respeitados, e para que possam se defender da exclusão, da discriminação, do preconceito e da ausência de acesso real a todos os setores da sociedade.

Das Políticas Públicas da LBI

Tamanha a gama de ferramentas introduzidas pela LBI, que dentre o seu texto encontram-se dispositivos que alteraram normas estabelecidas no Código Eleitoral, Código de Defesa do Consumidor, Estatuto das Cidades, Código Civil, Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, dentre outras. Garantiu à pessoa com deficiência o direito de casar, ter união estável, e constituir família, alterou o código civil relativizando a incapacidade, em situações especiais ou temporárias.

Sobre Inclusão Escolar, a LBI assegura às pessoas com deficiência a oferta de sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, de modo a promover autonomia em condições de igualdade. As instituições públicas e privadas devem cumprir atendimento especializado, sem cobrança adicional de valores de qualquer natureza.

A LBI criou benefício assistencial, o Auxílio Inclusão, para a pessoa com deficiência moderada ou grave que receba o benefício de prestação continuada e ingresse no mercado de trabalho em atividade que a enquadre como segurado obrigatório do regime geral de previdência social, com fins de estimular acesso ao mercado de trabalho sem perder o benefício de prestação continuada.

No campo do Direito Penal, a LBI criminaliza algumas condutas de discriminação, abandono e exclusão, que podem prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou exercício de direitos e liberdades fundamentais das pessoas com deficiência, com pena de reclusão e multa.

A LBI garante que a pessoa com deficiência terá direito a atendimento prioritário em diversos serviços públicos específicos, além do atendimento prioritário já tradicionalmente previsto em outras leis, como em bancos e supermercados, por exemplo.

Administração Pública: A fim de garantir maior efetividade às medidas de acessibilidade, a LBI promoveu a alteração da Lei nº. 8.429/92 para classificar a conduta do agente público que deixa de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação, como ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública, e com penalidades aplicáveis ao agente público.

Ainda no campo da administração pública, a LBI criou o Cadastro Nacional da Pessoa com Deficiência (Cadastro-Inclusão), que consiste em registro público eletrônico com a finalidade de reunir dados georreferenciados que permitam a identificação e caracterização socioeconômica das pessoas com deficiência, bem como das barreiras que impedem a realização de seus direitos.

Cultura, Esporte, Turismo e Lazer: A LBI cria mecanismos que asseguram às pessoas com deficiência o acesso a bens culturais em formatos acessíveis; a programas de televisão, cinema, teatro e outras atividades culturais e esportivas, em formato acessível; a monumentos e locais de importância cultural; e a espaços que ofereçam serviços ou eventos culturais e esportivos.

Dentre estes mecanismos, está a proibição de recusa de oferta de obra intelectual em formato acessível às pessoas com deficiência, sob qualquer argumento, inclusive sob a alegação de proteção dos direitos da propriedade intelectual (direitos autorais).

E mais do que assegurar o acesso das pessoas com deficiência, a LBI impõe ao Poder Público o dever de promover a participação da pessoa com deficiência em atividades artísticas, intelectuais, culturais, esportivas e recreativas, com vistas ao seu protagonismo, incentivando igualdade de oportunidades, e assegurar a acessibilidade em locais de eventos culturais, esportivas e recreativas, assim como a participação nestes eventos, inclusive no sistema escolar, em igualdade de condições com demais pessoas. (Ivan Almeida, advogado especializado em Direito Público.) https://www.politize.com.br/lei-brasileira-de-inclusao/

O Mercado de Trabalho para Pessoas com Deficiência

O próprio Ministério do Trabalho reconhece que apenas uma em quatro pessoas com deficiência é beneficiária da Lei de Cotas.

Os dados da inclusão no Brasil

Segundo nota técnica do IBGE de 2018 referente ao Censo 2010, 6,7% da população brasileira, cerca de 12,7 milhões de pessoas, possuíam algum tipo de deficiência. Dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2018 apontam que havia cerca de 486 mil pessoas com deficiência com empregos formais naquele ano, correspondendo a cerca de 1% das ocupações no mercado formal. O número tem crescido nos últimos anos: eram cerca de 418 mil pessoas com deficiência formalmente empregadas em 2016 e 441 mil em 2017. O crescimento está relacionado com o aumento da fiscalização dos órgãos públicos sobre as empresas, mas também com uma melhor definição das regras da Lei de Cotas a partir de 2015, com a promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência. (Jornal da Unicamp, Set 2020, em “A difícil inserção de pessoas no mercado de trabalho”).

Outro ponto levantado é que não basta apenas contratar a pessoa com deficiência para que aconteça a inclusão, mas também é necessário qualificá-la e adaptar seu trabalho para que seu potencial seja aproveitado de maneira produtiva. “Contratar uma pessoa com síndrome de Down e deixá-la na recepção para dar bom dia, boa tarde e boa noite não é a adaptação que nós buscamos”. Além disso, a maioria das empresas opta por pessoas com deficiência leve. “É mais fácil adaptar uma pessoa com amputação de um dedo, por exemplo, do que alguém com deficiência intelectual”, explica a pesquisadora enfermeira Maiza Claudia Vilela Hipólito, que recentemente defendeu sua tese de doutorado Inclusão de pessoas com deficiência em empresas do setor industrial, na Faculdade de Educação Física da Unicamp em 2020.

Não se pode ignorar a longa e importante trajetória histórica das pessoas com deficiência e sua constante luta em busca da defesa e garantia de seus direitos como seres humanos e cidadãos. Apesar do avanço na legislação que institui a política nacional para a integração das pessoas com deficiência o que os estudos evidenciam é um distanciamento enorme entre o que determina a lei e sua efetivação (Trajetória histórico social da população deficiente: da exclusão à inclusão social, por Jaquelline de Andrade Pereira e Joseana Maria Saraiva, em SER Social, Brasília, v. 19, n. 40, p. 168-185, jan.-jun./2017).


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Revisão ortográfica: Leilaine Nogueira


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