Os homens que odeiam as mulheres - sobrevivendo uma semana em um grupo de MGTOW


Infiltrado, observei de dentro como o movimento extremista funciona e o que ele prega


Rafael Isenof

04.08.2021
Logo do movimento MGTOW criado por Peter Wright em 2013

Não é nenhuma novidade que as bases da sociedade contemporânea remontam ao patriarcalismo, modelo no qual os homens eram considerados intrinsicamente superiores às mulheres, apelidando estas de “sexo frágil” e associando a imagem do feminino ao profano e à estupidez. Como resposta, inúmeros movimentos surgiram em defesa dos direitos das mulheres, direitos básicos como o da igualdade de gênero que eram cerceados em praça pública, extraindo-se, daí, as raízes do que conhecemos hoje por feminismo.

Mesmo que importantes avanços tenham sido conquistados, é cediço que, indubitavelmente, uma igualdade de gênero efetiva está longe de ser alcançada e existe um longo caminho a ser percorrido. A busca por direitos básicos suscitada pelo feminismo, todavia, é fortemente reprimida e manifestações contrárias deturpando as intenções do movimento são comuns, geralmente propagadas por homens.

Nesse sentindo, como reação à bandeira feminista, surgem grupos (geralmente organizados pela extrema direita) que tratam as mulheres como “o inimigo a ser combatido”. Dentre eles, o grupo denominado MGTOW ganha cada vez mais adeptos. Intitulados “Men Going Their Own Way” ou, em português, “Homens que seguem o próprio caminho”, os participantes do movimento abominam qualquer possibilidade de contato afetivo com mulheres, o que não significa que todos sejam necessariamente adeptos do celibato, até porque parte dos membros procuram se manter sexualmente ativos, utilizando a mulher como mero objeto de prazer.

Tentando entender a real dimensão do movimento e como é a convivência entre seus participantes, eu me infiltrei em um grupo na internet e, durante uma semana, observei cada acontecimento e discussão. No grupo, cuja rede social prefiro omitir por questões de segurança, a maioria dos membros se utiliza de nomes inventados e provocativos, enquanto ostenta fotos de personagens da cultura pop que representam seus ideais.

Personagem Thomas Shelby da série ‘Peaky Blinders’, comumente associado à imagem do homem viril e solitário

Em poucas horas, o tom do grupo já parecia bem definido: eles realmente levam a sério a história do ódio contra a figura do feminino e formulam inúmeras teorias da conspiração, acreditando que as mulheres sabotam os métodos contraceptivos para que, engravidando, tentem segurá-los ou, pelo menos, viver às custas deles. Se eles odeiam as mulheres, odeiam ainda mais o feminismo, sempre o comparando a uma doença ou ao “mal do século”.

Outra característica bem comum entre os participantes é a crença na ideia de que eles despertaram de um sono profundo e passaram a enxergar as coisas como elas são de verdade e, para demonstrar isso, baseiam-se na clássica cena de ‘Matrix’ na qual Neo, o protagonista, tem que escolher entre as pílulas azul (se conformar com a vida que tem) e vermelha (despertar da mentira que vive). Ou seja, eles seriam a pequena parcela da humanidade que teria escolhido a pílula vermelha ou “red pill”, como preferem chamar. Escolher a pílula azul, no caso, seria continuar sendo escravizado pela “ditadura do feminismo”. De certa forma, também fica claro um certo medo que eles cultivam das mulheres, principalmente um medo de serem processados juridicamente.

Cena do filme ‘Matrix’

O uso do termo “sobreviver” no título não é, infelizmente, atoa. As postagens são do pior tipo, sempre focando em humilhar as mulheres e demonstrar que os homens seriam naturalmente superiores. Para isso, disseminam “memes”, vídeos e notícias, sempre recebendo muitas risadas e apoio dos colegas.

Com o passar dos dias, notei que não era só o feminismo que estava no alvo do grupo: palavras de desprezo contra outras minorias também eram regra; além do compartilhamento de fake news, principalmente no sentido de mostrar que a vacinação contra a Covid seria um meio de “castrar” a masculinidade dos homens. Em uma época de extremismos e negacionismo, os MGTOW chamam cada vez mais a atenção e, com isso, utilizam-se da frustação de outros homens (jovens, em sua maioria) para legitimar a propagação de ódio e incitar a violência.

Aqueles que costumavam se esconder em camadas mais densas da internet já não têm medo de aparecer e muitos, inclusive, possuem canais no YouTube e outras redes, compartilhando os mandamentos do grupo de forma pública. O movimento cresce e, junto com ele, a tensão também.

Felizmente, a minha semana de tortura acabou, mas a preocupação que eu sinto só aumentou...


Revisão ortográfica: Bernadete Siqueira


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