Sem alternativas para viver, moradores da Cracolândia, com seus excluídos e sem-voz, talvez não sejam os únicos vilões.

por Lala Evan

15.12.2020

Foto: Paulo Flux

Em oito de dezembro, só se viam pessoas desnorteadas pegando qualquer coisa que pudesse. Aqui trazemos o relato de quem viu o acontecido.

Em uma narrativa apresentada pelo jornalista Paulinho Fluxus, neste sábado 13 de dezembro, em um encontro com jornalistas denominado Café com Pauta, ele mostrou o outro lado dos bastidores.

Fluxus comenta que existe um outro lado da história, que não aparece nas imagens da Cracolândia, distribuídas na televisão e redes sociais; é a violência descomunal desferida pela GCM, sempre presente em momentos anteriores, que gera revolta. Pessoas sendo alvo de bombas, caminhando e correndo em meio à maior tempestade de granizo já vista em São Paulo. “Nunca vi uma atuação mais desumana do que a da GCM no dia 8 de dezembro”, diz.

O repórter conta que está morando há 7 meses no alto de um prédio no território da Cracolândia (que compreende o Bairro da Luz, Campos Elíseos e Sta. Ifigênia), ao lado da Sala de Concertos São Paulo. Qualquer grupo humano alvejado como estava sendo, em pleno temporal, se revoltaria.

Pouco se fala do bombardeio a esmo de gás lacrimogêneo e balas de borracha que teve início às 12h54.

Fluxus acompanhou, ao longo dessa pandemia, diversos conflitos ocorridos cona Cracolândia, com uso de artefatos bélicos e as coreografias próprias da movimentação das várias polícias, com canil, drones, viaturas, bases móveis, cavalaria, ROCAM, força tática e até de uma visita de carros e caminhão do exército que por ali trafegaram, comemorando algo.

Todos os conflitos que envolveram a multidão reunida no fluxo da Cracolândia aconteceram a partir, de uma bomba disparada pela GCM, seguida, por outra. Na sequência, disparos de gás lacrimogêneo e de balas de borracha em direção à multidão.

Nesse dia, as forças policiais da GCM já estavam com um grande efetivo no bairro, posicionados no entorno da concentração. Quando estourou a primeira bomba, logo seguida de outra, a multidão começou a se dispersar, no sentido contrário, deixando tudo para trás.

Todo dia o movimento sai da Alameda Dino Bueno para a Alameda Cleveland. É um processo contínuo de desmontar as barracas e montar de novo. Mas antes da hora combinada a GCM atirou de repente em toda a multidão desprevenida que ali estava.

No segundo estampido das bombas, o repórter conta que correu para a sacada e logo viu uma dispersão de centenas de pessoas desesperadas. Viu que o comando da GCM havia atirado as bombas e já lançado gás lacrimogêneo e em seguida balas de borrachas, e logo um outro comando vindo pela rua transversal com outro efetivo grande já preparado para atuar no que parecia ser um palco de guerra.

Isso tudo 15 minutos antes da tempestade que já se anunciava no horizonte. O grupo fugindo dos disparos foi levado para a Praça Princesa Isabel e lá foram novamente alvejados por bombas e forçados a voltar para onde estavam e sendo novamente bombardeados em qualquer lugar. Foi quando o som dos trovões se juntou aos disparos e logo veio chuva e um vendaval de granizo. As pessoas ficaram acuadas, sem ter uma saída.

Foi difícil para Fluxus descrever tudo o que aconteceu e mesmo falar a respeito. Mas escutar bombas em meio aos trovões no bairro e balas de borracha em meio à chuva de pedras, foi testemunhar um dos níveis mais baixos da humanidade.

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