Juventude e velhice precisam ser forças inseparáveis!

por Silvia Triboni

30.07.20

No Dia Internacional de Conscientização e Combate à Violência contra a Pessoa Idosa, lembrado em todo o mundo em 15 de junho, o SESC São Paulo apresentou a live com o tema "Onde mora a violência".

Abriu os trabalhos a Dra. Vania Heredia, socióloga, Presidente do Departamento de Gerontologia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia SGG, enfatizando que a SGG participa desta campanha com o intuito de sensibilizar e conscientizar as pessoas quanto à violência contra os idosos, quanto ao aumento dos casos nesta pandemia.

Na sequência, os ilustres palestrantes: Conceição Evaristo, escritora, Dr. Alexandre Kalache, Presidente do Centro Internacional da Longevidade Brasil, Dr. Alexandre Silva, doutor em Saúde Pública (USP), explanaram sobre o tema.

O seminário teve por base de discussão os dados do balanço anual das denúncias sobre atos contrários aos direitos humanos no Brasil, denunciados por meio do canal Disque 100, os quais permitiram aos painelistas apresentarem suas opiniões e argumentos a respeito dessa grave violência social.

Deste relatório constatou-se que 52,9% dos casos de violações contra pessoas idosas foram cometidos pelos filhos, seguidos de netos com 7,8%. As pessoas mais violadas são mulheres com 62,6% dos casos e homens com 32%, sendo eles da faixa etária de 71 a 80 anos com 33% e 61 a 70 anos com 29%.

A casa da vítima é o local com maior evidência de violação: 85,6%.

Onde Mora a Violência – Dr. Alexandre Kalache

Ao abrir os trabalhos, Dr. Alexandre Kalache observou que a violência mora em toda a sociedade, mas a violência contra o idoso mora, sobretudo, dentro de casa. “Importante deixar isso claro para tomarmos consciência disso e não deixarmos escondido debaixo do tapete, pois é dentro de casa que essa violência ocorre”, disse ele.

Em perspectiva histórica, ressaltou o trabalho de um grupo de pioneiros britânicos que em 1995 começou a definir o que é a violência contra idosos, já no intuito de identificação e combate aos abusos.

Definiram como “um ato único ou repetido, ou omissão que lhe cause dano ou aflição e que se produz em qualquer relação na qual exista expectativa de confiança”.

Sequencialmente, no ano de 1999, quando foi diretor do Departamento de Envelhecimento da Organização Mundial de Saúde, Dr. Alexandre Kalache convidou representantes de 12 países para pesquisarem, entre os próprios idosos, o que eram os maus-tratos, uma vez que legítimos protagonistas da situação, não cabendo a acadêmicos definirem os tipos de violências.

Doutor Kalache contou que o objetivo principal desse estudo qualitativo foi reconhecer a raiz desse abuso, no caso a discriminação e o preconceito, para tirar, então, essa nódoa perversa da sociedade, essa negação da dignidade da vida humana. Faz com que essas pessoas sejam abusadas sob todos os pontos de vista.

Em 1999, as Nações Unidas criaram uma campanha para o lançamento do Ano Internacional dos Idosos, e lançaram o Missing Voices – com uma série de recomendações importantes para combater a negligência, o abandono, a exclusão social e a violação de direitos sociais dos idosos.

A violência contra os idosos no Brasil não se restringe às violações já mencionadas, afirmou o especialista. “Em um país onde temos um excelente estatuto do idoso, se ele não é posto em prática também se torna uma forma de abuso, uma violação de nossos direitos.”

Da mesma forma, a intervenção ocorrida no Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, em que se eliminou a participação da sociedade civil de sua estrutura, representa um grave atentado aos interesses e participação do público idoso, e um cerceamento ao diálogo com esse público, uma forma de abuso.

“O que hoje temos é uma forma de maus-tratos, de negligência, desrespeito aos idosos, na medida em que se nega acesso às formas de denunciar os abusos”, complementou Dr. Kalache.

Ao finalizar sua manifestação, o ilustre painelista exprimiu, de forma emocionada, suas impressões sobre a violência no Brasil, dizendo:

“Vivemos em uma sociedade extraordinariamente violenta, que não respeita a vida. No Rio de Janeiro, a polícia militar mata 1 pessoa a cada 4 horas.

Não é só a vida daquele que se foi. Tem a vida de uma mãe, de um pai, um avô, uma avó ligada a ele, traumatizando famílias inteiras.

Esse sofrimento, essa violência que nós sancionamos e que estamos expandindo é um sinal de alerta neste dia em que estamos celebrando, e comemorando, a luta para que a gente possa espantar a cara feia da violência, do abuso contra o idoso, que é sistêmica, escondida embaixo do tapete, mas que também existe quando fazemos com que a família seja traumatizada a cada dia, a cada hora como se faz neste país.”

Para ser mais no Brasil é preciso ser menos cabelos brancos? – Alexandre Silvia

“O ageismo, o idadismo, é mais do que discriminação. São ideologias que modulam a nossa sociedade, o nosso modo de vida e a invisibilidade dos mais velhos”, disse Dr. Alexandre Silva em sua palestra.

De forma contundente, Alexandre Silva questionou as fontes de violência em nosso país, as quais perpassam o Estado e toda a sociedade.

“Temos determinantes estruturais da violência. Passa pela cor da pele, imigrantes, pessoas consideradas não brancas, machismo, patriarcado, tudo isso vai estruturando a sociedade e impactando na vida do idoso”, enfatizou o especialista.

Uma análise da Fiocruz mostrou como os idosos se sentem onde moram. Os idosos negros e indígenas sentem que são discriminados na sociedade em que vivem.

Segundo Alexandre Silva, a violência contra o idoso pode ocorrer, inclusive, pela redução da rede de apoio dessas pessoas que não tiveram oportunidade de fazê-la enquanto trabalhavam, e agora que estão sem trabalho, veem-se sem amigos. Vivem sozinhos, sem ninguém por perto.

“Para ser mais no Brasil é preciso ser menos cabelos brancos? Ter menos cabelos crespos, ou peles escuras?

Que as pessoas sejam possibilitadas de fazerem denúncias!

Que possamos ofertar aos idosos mais conhecimento!

Tenhamos combate efetivo contra o idadismo! E que seja um compromisso nacional!”

É o mais velho que coloca o novo no mundo – Conceição Evaristo

Na visão da escritora Conceição Evaristo, a violência vem se aprofundando ao longo da história.

Lembrou a frase “a velhice é uma conquista e não uma tragédia” e questionou: “mas quais velhos podem pensar a velhice como uma conquista? Para aquele que sofre violência, a velhice é uma tragédia. Quais os sujeitos que podem comemorar a velhice, pensando no futuro?”

No processo de escravização, na visão da escritora, criou-se uma imaginização sobre aqueles que, após uma certa idade, não produziam mais e eram abandonados, dependendo de alguém que o ajudasse.

Igualmente, na literatura, criou-se o imaginário do preto velho e da preta velha como sujeitos passivos.

Pai João, Preta Velha, sujeitos que estavam sempre em um estado de gratidão e passividade em relação ao Senhor. Tanto é que havia uma linguagem para aquele que aceita tudo: Ele é um tipo Pai João, ou seja, o velho.

Quando coloca alguém nesta situação de impotência, dificilmente ela vai virar o jogo, explicou Conceição.

Deixou, em suas palavras finais, as seguintes reflexões: “Sobre esse preto velho, essa negra velha, em vez de pensarmos como sujeitos passivos e eternamente gratos ao senhor, podemos mudar essa chave de pensamento, se lembrarmos que esse preto velho, essa mãe preta, tinham todo o conhecimento do que se passava na Casa Grande, tendo sido um facilitador para a criação dos quilombolas, quando avisava os escravos quando o senhor estava fora.”

“As culturas tradicionais respeitam o mais velho, assim como elas respeitam o mais novo. Se a gente pensa em um tempo espiralar, vemos que o tempo é sempre dinâmico.

É o mais velho que coloca o novo no mundo.

Juventude e velhice precisam ser forças inseparáveis!”

Fonte: vídeo no YouTube: https://youtu.be/tIcwzbDGeGw


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Revisão: Maitê Ribeiro