Conversa com Mulheres apresenta Dora Bileco

No Brasil ela é referência no agronegócio administrado por mulheres.

Dora é gaúcha, radicada em Campo Grande no Mato Grosso do Sul. Está há mais de 10 anos no agronegócio. Participou da live do projeto “Conversa com mulheres” da Poder Concept, realizada na semana do Dia Internacional da Mulher.


Bernadete Siqueira22.03.2021

Conta que foi para o Mato Grosso do Sul ainda criança, a família tem a origem no segmento do agro. Seu pai foi em busca de novas oportunidades agrícolas e se estabeleceu na área chamada de chapadão dos gaúchos, no final da década de 1970, para plantar soja.

Dora se formou em Arquitetura e Urbanismo, área que atuou até assumir a fazenda. Tem três filhos e é avó de um garoto “que é um presente de Deus”, diz.

Relata que em 2009 precisou assumir a fazenda quando ficou viúva. Entre 30 e 40 minutos sua vida deu uma guinada, perdeu o norte e o chão, se viu sozinha e precisou tomar a frente dos negócios. Sendo, que nos primeiros três anos seguiu em paralelo com o escritório de arquitetura, somente depois desse tempo passou a se dedicar somente ao agro.

Até aquele momento sabia o que era uma vaca, um bezerro, uma braquiária, mas saber o que está se vendo e se tornar uma gestora de fazenda, há uma diferença muito grande e aí foram muitas dificuldades no dia a dia.

Num dado momento do processo de aprendizagem precisou parar, centrar em si mesmo, pois estava se acabando entre gerir pessoas, máquinas, a fazenda, os filhos e a casa. Sabia que tinha que reverter a situação e mudar de postura, para acabar com aquele desespero.

Já era sabido que entrar em uma área predominantemente masculina e machista, e sendo uma mulher numa atividade masculina, não seria fácil e com isso vieram os preconceitos, mas foi há 12 anos. Ela diz que hoje mudou muito por ter mulheres se formando em agro e entrando neste segmento e tomando o seu espaço.

Muitas vezes ao se confrontar com algum funcionário precisou dizer com firmeza “aqui vai ser desse jeito”. Sabia que precisava ganhar o respeito de todos. Enquanto lutava para ocupar o seu espaço, passou por violência verbal, financeira, se deparou com um oportunista e seus filhos sofreram ameaças de sequestro. E completou que nessa época estava fragilizada, pois havia muita insegurança.

Quando ia comprar material para os maquinários, o atendente percebia que ela não entendia nada, pois não sabia nem explicar o que precisava. E aí veio novamente a força, sabia que precisava de mais conhecimentos. Conhecia um trator, mas não suas peças, recorreu ao manual para entender a máquina e dali para frente quando chegava na concessionária já sabia o que precisava, e assim, passou a ser bem atendida nas lojas.

Reconhece que as mulheres no agro estão tendo destaque, e que a mulher não brinca quando tem que trabalhar, ela é perfeccionista, busca fazer da melhor maneira possível, não arrisca tanto e lidar com agro não é olhar e gerir de qualquer maneira. Ela entra para ganhar dinheiro. Ela busca capacitação. E a todo momento tem de ficar provando a sua capacidade e o seu conhecimento, isso é um desafio. Mas acredita que as mulheres irão ganhar esse desafio com alta produtividade, capacitação e o reconhecimento da sociedade. Dentro do agro se busca fazer da melhor maneira possível.

Quando o tema foi meio ambiente, Dora faz uma pergunta: você colocaria fogo dentro da sua casa, lugar de fonte de alimento? Ela mesmo responde- você vê a sociedade de hoje como oportunista, que tem que ganhar likes, audiência e fica na superficialidade, ninguém vai a fundo, não analisa o País. Enfatiza que o Brasil é o país que mais protege o meio ambiente no mundo, os produtores e as pessoas envolvidas no agro são as mais conscientizadas, temos as melhores florestas, rios mais limpos, a melhor água do mundo. Temos o controle da ANVISA, Embrapa, a qualidade dos defensivos são os melhores. É só buscar a informação e se aprofundar para saber que não colocamos fogo na nossa casa.

Discorre que o grande problema é que existe a mídia, ONG que acabam levando os interesses e o dinheiro. E com isso não tem interesse em divulgar o nosso agro. Todo brasileiro e todo político deveria ter orgulho na nossa carne, do nosso agro, do nosso alimento, o arroz que colhemos é o melhor do mundo. A região Sul do País é altamente produtiva e competitiva e não tem o reconhecimento da sociedade e nem interesse político e da mídia, que valorize isso.

Em uma propriedade rural, tudo é protegido. E nas cidades, onde estão a permeabilidade urbana?

Os desafios foram sendo superados quando focou em buscar conhecimentos por meio de palestras, sindicato federal, livros, revistas, congressos, Embrapa, pessoas bem-sucedidas, inspiração em mulheres do agro, dia de campo, pessoas de confiança, pessoas de sucesso - aquela que esteve um passo à frente. Leu muito e ainda lê até hoje e ainda não é suficiente.

O mundo precisa do olhar feminino, que é mais humano. Isso é nosso e vem do fato de ser mãe, que é proteger, cuidar. E o agro precisa desse olhar, o campo é muito machista. Nós precisamos de um agro e de um país mais humano, mais protetor, que acolha mais. E com essa forma de olhar o mundo Deus presenteou a mulher.

Quando a mulher sente que ocupou o espaço, não significa dominar o espaço, pois o homem e a mulher podem ocupar o mesmo espaço, precisam que busquem conhecimentos, precisa ter capacitação no agro. Há espaço para ambos.

Dora enfatiza que as mulheres é que queimam a situação, a mulher na política, quando um partido vem fazer a proposta e oferece uma vaga somente para cumprir a cota e ela aceita, isso pode ser dentro do sindicato, associação, entidade. O que precisa é buscar a meritocracia, a capacitação e não queimar sutiã, isso não prova nada.

Diz que não quer perder o lado feminino, mesmo sendo um trabalho árduo há realizações, compartilhamentos, e é possível poder olhar para o campo de forma diferente e não embrutecido.

No final, ela deixa uma mensagem para que cada pessoa olhe dentro de si e pergunta o que te faz feliz, e aí fazer o que gosta. Se é o que almeja, então não tenha medo, estude, busque assessoria, conhecimento, capacitação.

Segue com mais reflexões do que é prazeroso - plantar a semente e acompanhar a germinação, o crescimento, é realizador. Ver o bezerro nascer e crescer. Um pé de soja germinando. A realização desse trabalho é muito grande. E hoje você precisa estar conectado com o mundo, há tanta tecnologia no campo.

Ela acredita que se em 2009/2010 tivesse uma consultoria teria sido mais fácil. Talvez muitos problemas não tivessem acontecido e não teria se judiado tanto. Mas ao refletir sobre isso lembra que havia uma limitação financeira naqueles tempos.

Fez a consultoria de outra forma, foi visitar outras fazendas, consultar os amigos, ver o que estava dando certo e o que está dando errado. Se aprende mais pelas trombadas do que aos aplausos, é assim que relata.

Quem é a Dora? É eclética, gosta de cerveja, chinelo havaiana, feijoada, rock, viajar, praia, museu, conhecer a cultura e a culinária de outros lugares. Ama a família, e hoje alguns acompanha na fazenda, como o revezamento que faz com a filha nos cuidados do agro, podendo assim ficar mais no escritório. Hoje consegue se organizar melhor, a fazenda roda como uma engrenagem, não precisa estar todos os dias. Ficou mais fácil e rápida a comunicação por meio da tecnologia.

Ao contar a sua história, revive todas as dificuldades dessa trajetória, mas hoje se tornou um case de sucesso. E reforça: tenha medo de arriscar. Desafios existem em todos os lugares e é preciso romper. Não desistam. Coragem. Esse é o mantra que diz para todas as mulheres e para si mesmo.


Referências:

A Poder Concept, tem por objetivo ajudar mulheres e empresas a mudarem mindsets, seus pensamentos e inovarem suas atitudes; acreditamos em um mundo em que todos sejam capazes de seguir seus sonhos e realizá-los.

Os aspectos envolvidos na criação e operação serão de capacitação, assessoria e consultoria, que terá como foco inicial voltado para jornada empreendedora, preparando mulheres a serem consultoras para atenderem os clientes-alvo. Inicialmente serão empresas do setor privado; sendo micro, pequenos e médio portes, provendo conhecimento para que possam atuar como grandes geradores de novos empregos.

Revisão ortográfica: Geyse Tavares



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