Abolição e Liberdade

por Cleo Brito

19.05.2020

Com as homenagens à entidade da umbanda "Preto Velho", que coincidem com a data da Abolição da Escravatura, a lembrança do meu avô Candido se tornou tão presente que me inspirou a produzir um artigo sobre a escravidão.

O período escravocrata no Brasil foi marcado pela exploração maciça da mão de obra de negros africanos, arrancados de seu continente por colonizadores europeus – em especial portugueses. Estes escravizados eram utilizados principalmente na agricultura açucareira e na mineração, sendo assim essenciais para a manutenção da economia colonial.

Alguns deles desempenhavam também vários tipos de serviços domésticos, como era o caso dos meus bisavós: ele africano e ela indígena nativa, cuja gravidez ocorreu justamente no idos de 1871, quando foi promulgada a Lei Rio Branco, mais conhecida como Lei do Ventre Livre, que estabeleceu a liberdade para os filhos de escravas nascidos depois daquela data. Assim, meu avô Candido nasceu livre, no sertão da Bahia, em Xique-Xique.

Pintura de Francisco dos Santos Brito (tio da autora)

O Movimento Abolicionista Brasileiro foi de grande importância na luta contra a escravatura, inicialmente, com a conquista da Lei do Ventre Livre e a Lei do Sexagenário. Após um longo processo de revoltas e lutas de assimilação de ideais liberais na sociedade, a escravidão foi oficialmente abolida no Brasil com a assinatura da Lei Áurea em 13 de maio de 1888 pela Princesa Isabel, com apenas dois artigos:

Art. 1°: É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil.

Art. 2°: Revogam-se as disposições em contrário.

Antevendo contratempos para se conseguir mão de obra, alguns senhores se anteciparam à lei e deram alforria aos seus escravos com a condição de usufruir de seu trabalho pelo resto da vida. Outros, com a promulgação da Lei Áurea requereram ao governo indenização dos seus investimentos com a compra dos escravos. Foi quando Rui Barbosa queimou as notas fiscais, destruindo, assim, as provas de aquisição dos escravos.

Pintura de Francisco dos Santos Brito (tio da autora)

A lei que aboliu a escravatura, infelizmente, não garantiu a digna liberdade do povo negro. Essa triste realidade de libertos, porém, inseridos em contexto de escravidão só intensificou o movimento em prol de uma democracia racial; partindo dos quilombos formados por escravos alforriados, mas principalmente por escravos que fugiram da escravidão, de seus senhores, mesmo antes da abolição. Hoje, o movimento negro ainda resiste em nossas favelas, que podemos identificar também como "quilombos urbanos". Lá, esse povo se identifica e vive com a possibilidade que lhe é permitida.

Temos poucos cidadãos negros reconhecidamente em destaque, alguns vistos nos esportes, mais no futebol e na música. Mas, se houvesse uma democracia social justa, com certeza haveria maior visibilidade de destaques em todos os segmentos, impedindo de se tornarem invisíveis ou esquecidos na história, como é o caso dos meus bisavós escravos, dos quais nada restou, nem o nome. Lamentavelmente, constatei que no registro de nascimento de meus pais — os avós paternos e maternos constam como ignorados. Sei apenas o nome da minha bisavó — simplesmente Madalena.

Não podemos esquecer, contudo, que o povo negro foi responsável pela construção do Brasil, com sua mão de obra, enriquecendo seus impiedosos colonizadores. Também responsável por grande parte da nossa cultura, principalmente na música, na dança, na religiosidade e até na culinária. Mesmo nas agruras impostas pela vida transparece a "alegria", uma admirável característica impregnada na maioria do povo brasileiro.

Cronologia da Escravatura

1454: A bula Papal editada por Nicolau V dá aos portugueses a exclusividade para aprisionar negros para o reino e lá batizá-los.

1549: Tomé de Souza desembarca na Bahia. Com ele vieram provavelmente os primeiros escravos brasileiros.

1630: Data provável da formação do Quilombo dos Palmares. Palmares ocupou a maior área territorial de resistência política à escravidão. Ela foi uma das maiores lutas de resistência popular nas Américas.

1695: Morte de Zumbi dos Palmares. Zumbi dirigiu Palmares num dos seus momentos mais dramáticos. As forças chefiadas pelo bandeirante Domingos Jorge Velho destruíram o Quilombo e, depois, assassinaram Zumbi.

1741: Alvará determina que os escravos fugitivos serão marcados com ferro quente com a letra “F” carimbada nas espáduas.

1835: Levante de negros urbanos de Salvador. Segundo historiadores, a Revolta dos Malês foi a mais importante revolta urbana de negros brasileiros, pelo número de revoltosos, grau de organização e objetivos militares. Elas se inscrevem entre as grandes revoltas assistidas pela cidade no século 19: 1807, 1809, 1813, 1826, 1828,1830 e 1844.

1850: Promulgação da Lei Eusébio de Queirós, que acabou definitivamente com o tráfico negreiro intercontinental. Com isso, caiu a oferta de escravos, já que eles não podiam mais ser trazidos da África para o Brasil.

1854: Decreto proíbe o negro de aprender a ler e escrever.

1865: Cresciam as pressões internacionais sobre o Brasil, que era a única nação americana a manter a escravidão.

1866: O Império determina que os negros que serviram no exército seriam alforriados.

1869: Proibida a venda de escravos debaixo de pregão e com exposição pública. A lei proíbe a venda de casais separados e de pais e filhos.

1871: Promulgação da Lei Rio Branco, mais conhecida como Lei do Ventre Livre, que estabeleceu a liberdade para os filhos de escravas nascidos depois desta data. Com ela os filhos de escravos seriam libertos, depois de completarem a maioridade.

1880: O declínio da escravidão se acentuou nessa década, quando aumentou o número de alforrias (documentos que concediam a liberdade aos negros), ao lado das fugas em massa e das revoltas dos escravos, desorganizando a produção nas fazendas.

1882: Morre o abolicionista Luiz Gama. Sua mãe, Luiza Mahin foi uma das principais lideranças na Revolta dos Malês, em Salvador.

1885: É editada a Lei do Sexagenário. A lei Saraiva-Cotegipe liberta os escravos com mais de 65 anos de idade. Segundo dados, a vida útil de um escravo era de 15 anos, em média.

1885-1888: O movimento abolicionista ganhou grande impulso nas áreas cafeeiras, nas quais se concentravam quase dois terços da população escrava do Império.

1886: O governo proíbe o açoite dos castigos aos escravos.

1888: A princesa Isabel sanciona a Lei Áurea, que estabelece a extinção imediata e incondicional da escravidão.

1890: Decreto sobre a imigração veta o ingresso no país de africanos e asiáticos. O ingresso de imigrantes europeus era liberado pelo governo.

1910: João Cândido, o Almirante negro, lidera a revolta da esquadra (Revolta das Chibatas) contra os castigos físicos praticados contra os marinheiros.

1949: Realiza-se no Rio de Janeiro o Conselho Nacional de Mulheres Negras.

1950: No Rio é aprovada a Lei Afonso Arinos, que condena como contravenção penal a discriminação de raça, cor e religião.

1969: O governo do general Emílio G. Médici proíbe a publicação de noticias sobre movimento negro e a discriminação racial.

1978: Consolidação do MNU Movimento Negro Unificado – São Paulo, É declarado pelo MNU o dia 20 de novembro o Dia da Consciência Negra.

1979: O quesito cor é incluído no recenseamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) por pressão de sociólogos e pesquisadores e segmentos da sociedade.

2003: Lei 10639 — estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira". Que convenhamos não é cumprida, né?

2009: 1ª Política de Saúde da População Negra. Que prossegue sendo negligenciada e violentada (quem são as maiores vítimas da violência obstétrica?) no sistema de saúde.

2010: Lei 12288 — Estatuto da Igualdade Racial. Em um país que se nega a reconhecer a existência do racismo.

2012: Lei 12711 — Cotas nas universidades. A revolta da Casa Grande sob um falso pretexto meritocrata.




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Revisão: Maitê Ribeiro