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Adalgisa, a Dal, 32 anos, linda, culta, terapeuta de casais, está atrasada para uma dinâmica, pegar o filho na escola, levá-lo à casa de seus pais e terminar o namoro com Brutus, um urologista especializado em vasectomia, ricaço, ogro e de gostos violentos. Demorou-se no ateliê de Apolônio, o Popô, o ex-noivo, decorador de interiores, um romântico sonhador que não consegue manter relações duradouras. Moraram juntos por apenas dois anos e ele anda meio deprê.
Dal vive um dilema: ajudou centenas de casais a manter, aprimorar ou reatar relações, mas ela mesma não consegue ter um parceiro constante. Seu histórico de casos inclui um chef enrustido, um promotor casado que omitiu o estado civil, um policial corrupto, um golpista procurado pela Interpol, um operador logístico de alimentos (entregador do iFood), e por aí vai. Teve um filho com Apolônio, mas seus exames clínicos revelaram ser estéril de nascença e o suposto pai talvez seja Xexéu, moreno forte que dizia ser estilista, mas trabalhava no IML preparando pessoas que finalizaram a temporada terrestre. Dal o amava assim mesmo, mas um belo dia, do nada, Xexéu inventou de morrer. Aí apareceu Popô, o decorador inseguro.
Dal é meiga, gentil, lógica e pragmática. Apesar da formação humanística, é objetiva e direta. Não gosta dos joguinhos que muitas pessoas fazem: quando dizem não, querem dizer talvez, um talvez pode significar sim, e ela não confia naqueles que só dizem sim. Para ela, sim é sim e não é não, na lata, sem enrolação.
Quem agenda as dinâmicas é seu fiel assistente, Ascânio, ex-ator pornô, ex-BBB, hoje um físico quântico e desenvolvedor de games que criou um aplicativo para analisar dados dos casais e propor novos arranjos. Preocupado com o atraso, Ascânio enviou mensagens, telefonou e acabou indo buscar Dal com seu carro. No trajeto, atualizou-a sobre os casos da terapia daquela tarde: Verona e Ariel, ricos, vivem às turras. Ela é judoca, ama o rúgbi, alpinismo e motocross. Ele é do lar, adora comédias românticas e cuidar de suas flores e gatos. Orlanda e Natanael, juntos há quatro anos, estão à beira do divórcio. Ela é enfermeira na Lapa e ele é vigia noturno na Penha. São apaixonados, porém nunca cruzaram, pois quase não se cruzam.
A metodologia de Dal é sensorial, psicodramática e behaviorista de fundo Junguiano combinado com A Porta da Esperança e Datena. Os casais expõem seus dilemas sem pudores, invertem papéis e dramatizam. Só que esses dois casos não evoluem. São antigos e complexos, o tempo passa e nada de solução. Dal consultou o relógio angustiada e já ia propor uma nova sessão na semana seguinte quando Ascânio sugeriu uma pausa para tomar um café e a chamou para conversar:
Liguei para seu ex e seu atual namorado. Estão a caminho.
Por que chamou aqueles dois? No que você está pensando?
Enquanto você conduzia a dramatização, eu observei pelo monitor de TV, inseri as informações no aplicativo e o algoritmo ofereceu uma possível combinação, embora um tanto heterodoxa.
Sem alternativa, Dal concordou, até porque Brutus e Popô acabaram de chegar. A sessão recomeçou bem diferente, com dois casais, dois estranhos, Ascânio como moderador e Dal como observadora. O assistente sugeriu trocar os casais e em menos de uma hora estavam todos felizes e satisfeitos com o novo arranjo.
Ascânio e Dal buscaram o filho dela na escola e o deixaram na casa dos avós para passar o fim de semana no sítio. No caminho de volta, analisaram os resultados:
Livrei-me do namorado ogro, sem crise, e o decorador encontrou sua alma gêmea. Consertamos a vida amorosa de seis pessoas numa tacada só.
Meu aplicativo funciona!
Seu aplicativo resolveu tudo. Você é mesmo diabólico! Engraçado, ajudo casais, mas eu mesma não consigo me acertar. No amor, vivo no inferno.
Já que está no inferno, abraça o capeta!
Não entendi!
Tem compromisso para esta noite, chefinha?
Isso aconteceu há quatro anos. Verona e Ariel se separaram, numa boa. Ela e Brutus, macho alfa com hábitos e gostos similares, começaram a namorar. Ariel se associou a Popô no ateliê, nas flores, nos gatos, nas comédias românticas e no amor. Orlanda e Natanael continuam juntos, felizes e apaixonados. Agora ela é enfermeira do urologista ricaço e ele é vigia na clínica, durante o dia.
Dal e Ascânio estão juntos desde então e a clínica decolou com terapias pelo aplicativo. Verona e Brutus, Ariel e Popô, Orlanda e Natanael vivem felizes e às vezes se encontram para matar saudades dos antigos amores. Brutus anda preocupado porque a enfermeira Orlanda está na quarta gravidez e vive em licença maternidade, mas Ascânio resolveu a questão: o aplicativo sugeriu adaptar a clínica para atender casos de infertilidade, com Orlanda e Natanael doando material genético. Na terapia, nada se cria, tudo se transforma.
Revisão ortográfica: Leilaine Nogueira