Foto: reprodução internet
Às vezes, a vida oferece oportunidades que nunca imaginamos. Ariel Pandolfo, de origem humilde, é pessoa séria e de conduta ilibada. Quer ser promotor e lutar pela ética e moral, mas muito jovem precisou ajudar a família e foi trabalhar num cartório, onde organiza a agenda dos casamentos e se encanta com as homilias do Juiz de Paz.
Num sábado, o doutor Palhares se atrapalhou com o horário e chegou ao cartório uma hora mais cedo. Ouviu vozes na sala de celebrações e foi conferir: era Ariel fingindo-se celebrante. Terminada a fictícia pregação, o juiz aplaudiu. Ariel, encabulado, disse que frequenta a escola do Pastor Jonas, de quem também é suplente de vereador. Quando chega mais cedo, pratica oratória. Passados três meses, o doutor Palhares lhe telefonou.
— Ariel, preciso de um grande favor. Só você pode me ajudar.
— Diga doutor.
— Estou no hospital, com crise renal.
— Quer que eu vá para aí?
— Não, quero que celebre um casamento.
O doutor Palhares disse que tem uma celebração de união estável entre um viúvo, gigolô e dono de boate gay e um transexual, ex garoto de programa. A cerimônia é num condomínio de chácaras e a ata já esta pronta. É só passar no cartório, pegar o livro, o endereço e fazer o serviço. Como a união será apenas civil, sugeriu que Ariel inicie com breve preleção de cunho religioso. Nervoso, mas feliz com a oportunidade, ele tomou banho, vestiu o melhor terno, pegou o Fiesta 1.0 ano 2010, passou no cartório e seguiu para o evento.
Durante o trajeto pensou no que diria àquele estranho casal e lembrou-se do Pastor Jonas, para quem todas as pessoas sinceras merecem a benção. Atrapalhou-se com o mapa e entrou no condomínio errado. Disse ao segurança que é oficial de casamentos e perguntou o caminho para a bodas de Garlindo e Tamara. Seguiu a orientação, encontrou o endereço e foi recebido por Neide, a cerimonialista. Para conter o nervosismo, tomou uma taça de prosseco, depois mais uma e finalmente mais uma. Às 18h ele se posicionou diante do altar, no gramado. Os noivos chegaram numa charrete enfeitada.
— Estamos aqui para celebrar a união de Garlindo e Tamara.
O som era ruim e ninguém ouviu direito, exceto Neide, que lhe passou um bilhete com os nomes Arlindo e Tânia Mara. Ariel, levemente alcoolizado e sem os óculos, olhou o bilhete e tudo lhe pareceu bem.
— Vivemos novos tempos e hoje qualquer tipo de união soa normal. Até mesmo um rufião – disse olhando para o noivo – e um ex boy striper que se reencontrou num novo ser – falou dirigindo-se à noiva.
Os noivos, ele economista, ela filha de desembargador, entranharam o discurso, mas não quiseram criar caso. Os convidados passaram a prestar mais atenção. O pai da noiva ameaçou intervir, mas foi contido pela esposa.
— Dize-me com quem andas e dir-te-ei quem és, diz a escritura. E aqui, pelo jeito, os pombinhos andam com companhias infernais – disse Ariel, rindo e soluçando. Muitos confundem prazeres mundanos com felicidade, mas aqui se faz, aqui se paga. Porém, diz a escritura, andai pelos caminhos retos, pois não lhes cabe saber quando será o dia e a hora. Levando uma vida desregrada, bebendo e praticando coito selvagem por dinheiro, não se alcança a salvação.
Os convidados se entreolharam, o pai da noiva, vermelho de raiva, pigarreou forte e Ariel prosseguiu:
— Garlindo Pereira, gigolô e dono de bordel, aceita Tamara Jackson, ex Orlando Xavier, como sua ou seu, esposa, cacho, o que quer que seja, até que outro bofe a carregue?
Burburinho, tosses, pigarros, homens ajeitando a gravata e cruzando as mãos à frente ou às costas; mulheres se entreolhando, fulminando maridos e namorados. O pai da noiva decidiu intervir, mas Neide, a criativa cerimonialista, pegou o microfone de Ariel e disse:
— Senhoras e senhores, confesso que também caí na pegadinha dos amigos do noivo. Recebamos o celebrante, monsenhor Bevilacqua.
Ariel foi escoltado até a saída do condomínio e esqueceu o livro de atas. Foi demitido do cartório, desistiu do curso de pastor mas, devido a um escândalo de propina e pedofilia, assumiu a vaga do vereador Pastor Jonas, cassado e preso. Agora sim, disse Ariel. Na Câmara Municipal, poderei trabalhar em prol da moral e da ética!
Revisão ortográfica: Leilaine Nogueira