Esculpido em Carrara

Rapaz bonito, sexy e musculoso encontra mulher... que não era quem tinha conhecido

Laerte Temple

13.02.2022

Virgem Vestal Velada (Veiled Vestal Virgin), 1847, Raffaele Monti

No Interior, quando duas pessoas se parecem muito, as pessoas dizem que são cara de um, focinho do outro, ou que um é cuspido e escarrado a cara do outro, expressões que sempre intrigou o pequeno Jofre, até que no colégio aprendeu que era uma corruptela, uma deformação da expressão “esculpido em Carrara”, por conta da má compreensão pelos iletrados. Era como se um fosse a estátua perfeita do outro, esculpida em mármore da cidade italiana de Carrara, o preferido dos mestres renascentistas. Jofre memorizou a história e sempre que podia utilizava-a para se exibir.

Rapaz muito bonito, sexy e musculoso, o que lhe rendeu convite para se exibir no anonimato numa boate na capital, frequentada apenas por mulheres liberais e desejosas de vingar as escapadas dos noivos e maridos. Não era o trabalho dos sonhos, mas dava para pagar a faculdade.

Certa tarde, na biblioteca, uma jovem tentava alcançar um pesado livro no alto da estante, Jofre se aproximou e pegou o tomo para ela. Suas mãos se tocaram, seus olhares se cruzaram, ela sorriu timidamente e murmurou um “obrigado” quase inaudível. Jofre levou o livro até a mesa, sentou-se ao seu lado, tentou entabular conversa e foi advertido com “psius” dos vizinhos, que arrancaram mais sorrisos tímidos da jovem. Em vez do número do telefone ou do sim para saírem, conseguiu só um “a gente se vê” e seu nome: Graziela.

Naquela noite, na boate, amigas comemoravam o aniversário de uma delas. Jofre iniciou sua performance com o corpo brilhando de óleo aromático, máscara do Zorro e muito glitter. Vestia apenas uma minúscula tanga padrão oncinha, com rabinho e tudo. Olhou para a mesa central e percebeu que a aniversariante era Graziela. Faz-se de difícil na biblioteca e solta a franga na boate. Quem diria? – pensou Jofre. Oculto pela máscara e luz fraca, fez sua melhor performance e recebeu aplausos frenéticos. As normas da casa eram rígidas quanto à postura do elenco em relação às clientes. Mas mal entrou no camarim e a gerente disse que ele tinha de entreter a aniversariante por dez minutos, parte do caro pacote VIP. Saiu e deixou o casal a sós, à meia luz.

Foram beijos e abraços tresloucados e em minutos sua tanga havia desaparecido, assim como itens da roupa dela. Pelas normas da casa, nada poderia ser dito, nem a máscara retirada. Pouco depois, três batidas na porta e em instantes ela já vestida, deixou o camarim. Jofre quis recusar a polpuda gorjeta, mas em vão. Era parte do pacote e ele conhece as normas da casa.

Nos dias seguintes, procurou Graziela na biblioteca e na cantina, sem sucesso. O reencontro aconteceu por acaso, nos corredores. Ela caminhava abraçada a livros quando se esbarraram, sorriu e disse um “oi” tímido.

— Não me reconhece Graziela?

Claro! Jofre, né? Da biblioteca.

Sim, e também o performer da boate Chez Sofie. Surpresa?

Então ele a tomou nos braços e deu-lhe um beijo tão ardente quanto aqueles de dias atrás, no camarim. Ela o empurrou, deu-lhe um forte tapa no rosto e correu. Jofre não entendeu nada e foi embora aborrecido.

No domingo, na piscina do clube, nova surpresa. Estava no deck, não uma, mas duas Grazielas, idênticas, esculpidas em Carrara.

Olha lá – disse a um amigo apontando discretamente para ambas. Gêmeas. Foi por isso que me dei mal outro dia.

Não são gêmeas – disse o homem perto deles que fora comprar cerveja – são mãe e filha.

Mãe e filha? Incrível. À distância ou à meia luz, não há diferença.

A da esquerda é a mãe, apenas dezenove anos a mais, carinha de menina e em plena forma física – disse o homem orgulhoso, sem revelar que era o marido e o pai.

Jofre entendeu o motivo do tapa que levou de Graziela. Virou-se para o amigo e o estranho e disse:

Dica de quem sabe das coisas. Caso um dos dois queira chegar junto, ambas são lindas e gostosas. A filha é muito fresca, mas a mãe, na cama e no escuro, parece doninha demoníaca no cio. Fui.

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