Liu Jun-Lin cobra o equivalente a R$ 1,2 mil por cada sessão de choro em funerais em Taiwan - Foto: BBC News Brasil
No município de Capim Seco, avô e avó levavam o neto de 10 anos para passar o fim de semana no sítio quando o garoto perguntou:
— Vô, o que faz uma Carpideira?
— Onde você ouviu isso?
— Um amiguinho disse que a tia dele é Carpideira. Trabalha na roça?
— Sua avó pode explicar melhor do que eu.
— Querido, Carpideiras são mulheres contratadas para ir aos velórios, vestir luto e chorar o morto. Esse ofício existe há mais de 2 mil anos, originou-se no Egito sendo citado na Bíblia. Os antigos acreditavam que o pranto limpava a alma, preparando-a para a plenitude. A presença de Carpideiras no velório aumentava a importância social do falecido. Nas cidades do Interior ainda tem muita Carpideira.
O neto disse “maneiro” e pegou o celular para se distrair com games. A avó suspirou e relembrou fatos ocorridos há quase quatro décadas:
Romilda era a melhor cozinheira da pacata Poeira D’Oeste e sustentava a casa vendendo salgados, bolos, doces e outros pratos. O delegado Eduardo, noivo de sua prima Cleusa, arrumou para o preguiçoso Peçanha, o marido de Romilda, emprego de motorista noturno na Guarda Municipal, cargo tranquilo mesmo nas rondas da madrugada. Romilda também era Carpideira no cemitério municipal, em frente à delegacia. Quando tinha velório, ela dava um pulinho no túmulo dos sogros, rezava por suas almas e se queixava do marido. Depois passava a noite no velório e ficava de olho no safado.
Peçanha trabalhava à noite, dormia o dia todo e Romilda fazia jornada dupla e exaustiva. Tudo correu bem até ela descobrir que suas rondas favoritas eram no bairro da Luz Vermelha. Ficou muito brava e pediu ao doutor Eduardo para transferir o pilantra para a carceragem, obrigando o marido a passar as noites como babá de presos, sem rondas na Luz Vermelha.
A demanda por quitutes cresceu muito. Com o marido confinado à noite e dormindo o dia todo, Romilda deixou o trabalho no velório para cuidar apenas da culinária. A prima, que era chefe do serviço social da igreja, pediu-lhe para ensinar o ofício de Carpideira à Sheila, uma linda jovem que vivia e trabalhava num cabaré na Luz Vermelha. Cleusa queria salvar sua alma.
Romilda ensinou o ofício à Sheila e deu-lhe de presente um vestido de luto, manto e véu. Com três ou quatro trabalhos por semana ela poderia largar a vida promíscua. Funcionou bem até Cleusa chamar Sheila e Romilda para conversar. A moça recusou trabalhos no velório devido aos shows.
— Você agora está fazendo shows? Que shows? – perguntou Cleusa.
— Sabe, outro dia encontrei o doutor Peçanha....
— Doutor Peçanha? – interrompeu Romilda. Ele é só um carcereiro!
— É um cara legal que fazia rondas lá na Luz Vermelha. Ele disse que toda noite rola shows muito animados na carceragem.
— Você trocou um trabalho honesto no velório por shows?
— Dona Romilda, a senhora me ensinou a ser Carpideira e sou muito grata, mas o velório é quente, chato e só tem gente velha. Passo a noite de preto da cabeça aos pés, amuada e chorando. O café é frio, fraco e ganho só R$60,00 por trabalho. Perdi os clientes do cabaré, onde ganhava bem mais e ainda me divertia.
— Mas seu trabalho agora é digno. O show é melhor que isso?
— Melhor e mais divertido. Só tem gente legal, cerveja, coxinha e ganho R$120,00 por show. Faço strip, canto e danço nua, e ainda tem o sorteio. O vencedor paga R$30,00 por meia hora, sozinho comigo na cela. Quem quiser assistir paga mais R$10,00. Depois me levam de volta ao Cabaré e a madame Soraia me dá uma graninha extra porque em noite de show não tem ronda na Luz Vermelha. Sem a polícia, vão mais clientes, o Cabaré e as meninas faturam alto.
— Quem vai nesses shows?
— Policiais, carcereiros, o delegado Eduardo, o prefeito Jairo, até o juiz, doutor Jânio. Dona Cleusa, é como a senhora fala: quando a gente faz o que gosta, a gente se diverte e nem parece que tá trabalhando.
Cleusa largou o noivo e abriu a Rotisserie Carpis com a prima Romilda. O delegado Eduardo e Sheila casaram-se, mudaram para Capim Seco e hoje têm um neto de 10 anos. Peçanha foi demitido, comeu “acidentalmente” um quibe com veneno para rato e foi morar com os pais, na quadra 14, lote 8, subsolo, gaveta 3. Não teve direito a Carpideiras. Vida que segue.
Revisão ortográfica: Anne Preste