Val e Lalau

Um desembargador quer se livrar da mulher, jovem juíza, aposentar-se e viver com a amante. A mulher descobre o caso e arma um plano.

Laerte Temple

05.06.2021

Existem dois tipos de casamento: os que acabam bem e os que duram para sempre. Alguns casais vivem na paz por anos e outros permitem que os probleminhas se acumulem até se tornarem problemões insolúveis. Este é o caso do casamento de duas décadas de Valdirene, 43 anos, e Everaldo, 54, ambos juízes, ela há pouco tempo e ele já quase desembargador. Raramente passeiam ou socializam. O sexo é quase tão intenso quando o dos ursos Pandas. Lalau reclama da pouca atividade e da qualidade ruim. Seu plano é se separar após a promoção, aposentar-se e curtir a vida com Sofie, que satisfaz os desejos que a mulher nega. Val só quer um parceiro romântico, que a leve jantar e dançar. Para ela, sexo duas ou três vezes por mês, sob a coberta e no escuro, é mais que suficiente. Além disso, é luxúria, pura tara. Às vezes, no inverno, tira apenas uma das pernas da calça, para desespero de Lalau. Se ele morresse logo, com a pensão de desembargador, ela viveria muito bem. Um culpava o outro pela crise do casamento, mas ninguém aceitava ceder.

Val consultou um conselheiro matrimonial que disse: se vocês quase não fazem sexo, ele está se virando de algum jeito. Isso a intrigou e, com a ajuda de investigadores, obteve informações e fotos do marido com Sofie, trinta e seis anos, acompanhante e dançarina de cabaré, com ficha policial e ré em processos sob a responsabilidade de Lalau. Aquilo era muito para sua cabeça, mas antes de qualquer providência, procurou novamente o consultor.

— Senhora, o homem tem certas necessidades que, se não satisfaz em casa, cedo ou tarde acaba procurando outra fornecedora.

— Nossa! Que coisa! E o que eu faço?

— Simples. Ou tolera a sócia, ou muda sua postura.

— Mudar minha postura? Como assim?

— Sorria, seja agradável, faça tudo para ele se sentir bem. Mantenha sempre cerveja na geladeira. Não o atrapalhe quando ele estiver assistindo futebol. Pare de ver novelas. Não o chateie com reclamações fúteis do universo feminino. Não fale sobre seus problemas. Use roupas sensuais e faça sexo várias vezes por semana, em todas as posições. Tem curso para isso, sabia? Satisfaça as fantasias dele e eu garanto que a paixão logo reacende.

Ela chegou em casa e disse ao marido que estava se aconselhando com um terapeuta e logo seria a mulher dos sonhos, mas ele teria que esquecer a Sofie. Lalau gelou ao ouvir aquele nome. Como ela descobriu? No dia seguinte ele mandou mensagem terminando com a moça e foi trabalhar. Val também saiu e ao voltar encontrou um envelope do consultório do doutor Augusto:

“Caro futuro desembargador. Os resultados dos exames chegaram. Seu caso preocupa, mas tem cura. Mande manipular a receita anexa, tome os remédios por duas semanas e talvez não precise de cirurgia. Não contraia doenças venéreas em hipótese alguma ou terá complicações. Você terá vida longa. Se contrair novamente doenças, dois meses de vida no máximo e nem cirurgia resolve. Vou viajar por quinze dias e depois nos falamos. Abraços”.

Val, furiosa, queimou a carta e a receita.

Sofie, que acreditava nas promessas de Lalau, ficou decepcionada com a dispensa por WhatsApp e resolveu confrontá-lo, ao menos para cobrar as contas do cabaré. Valdirene atendeu à porta e reconheceu a moça das fotos. Profissa da cabeça aos pés. Ela não aceitaria ser trocada por aquela vadia.

— O doutor Everaldo se encontra?

— Não. Posso ajudar? Espera, acho que te conheço. Você está sempre na vara do doutor, certo? Ré ou arrolada?

— De ré, arrolada, tanto faz. Quando da zebra ele paga o aborto.

— Não é disso que estou falando... Esquece. O que você quer?

Sofie nada sabia sobre a vida privada de Lalau mas sacou rápido. Aquela era a esposa e seus processos estavam nas mãos dele. Precisava ser esperta.

— Ele usa uns equipamentos meus há anos, nunca me pagou e agora quer devolver. Tenho dezenas de comprovantes. Veja!

— Abundat non pejus.

— Senhora, eu não estou faltando com o respeito e exijo...

— Só disse “o que abunda não prejudica”. Vou ligar para ele. Espere aí.

— Claro, mas daqui não saio sem meu dinheiro.

Três minutos depois...

— Ele disse que não quer mais os equipamentos porque os são antigos, a potência é fraca e as tomadas de entrada são grandes e folgadas.

— Os equipamentos não são novos, mas ele examinou e sabia disso. Estão muito bem conservados. A potência é ótima, ele é que não sabe usar. As entradas não são grandes e nem folgadas, o plug dele é pequeno e fino.

— Direi quando ele chegar, mas quero mostrar algo: uma ordem de restrição para se manter a mais de cem metros desta casa.

— Também quero mostrar algo: resultados dos meus exames clínicos.

— Não me diga que você testou positivo para Covid?

— Calma, negativo para Covid. Mas positivo para meia dúzia de DST.

Lalau chegou em casa tenso e perguntou à esposa:

— O que aquela doida queria?

— Dinheiro. Ameacei chamar a polícia se não fosse embora.

— Fez bem. O Dr. Alfredo ligou? Disse algo sobre meus exames?

— Ligou sim amor. Fica tranquilo e não se preocupe. Saúde per-fei-ta!

Vingança de mulher traída é pior que praga de mãe!


Revisão ortográfica: Anne Preste


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