Podres Poderes


A base da estabilidade política reside na coexistência pacífica entre executivo, legislativo e judiciário, poderes independentes e harmônicos... mas na prática, a teoria é outra.


Laerte Temple

19.09.2021

Você com certeza já ouviu falar na Teoria de Montesquieu. Não precisa ser intelectual nem acadêmico de Direito para saber que a base da estabilidade política reside na coexistência pacífica entre executivo, legislativo e judiciário, poderes independentes e harmônicos. Mas, na prática, a teoria é outra.

Política é jogo de poder. Magalhães Pinto dizia que a política é como a nuvem: você olha, está de um jeito, olha de novo e já mudou. Adversários se unem, aliados se afastam, complôs se formam, promessas são ignoradas, e assim vai. E ainda tem a mídia, outrora imparcial, a tomar partido desse ou daquele grupo, dependendo de qual promete mais verbas publicitárias.

A cada eleição, candidatos saem da hibernação, bajulam o eleitor, prometem e depois desconversam. Só legislam em causa própria e, uma vez empossados, começam a articular o pleito seguinte. O judiciário assiste sem se importar, pois, tem a palavra final e a garantia constitucional da estabilidade, prerrogativas do cargo e irredutibilidade de vencimentos.

O povo parece acreditar em duendes, papai-noel e mula sem cabeça. Basta que digam o que querem ouvir e esquecem o passado político de todos. Saem às ruas em manifestação, discutem em bares, redes sociais, brigam, desfazem amizades, tudo em nome da convicção que não convence.

O clima esquentou recentemente. Comportados no início dos mandatos, executivo, legislativo e judiciário agora são ferrenhos adversários. A briga saiu dos gabinetes e ganhou as ruas, com resultado imprevisível.

Quem comenta é Bartolomeu Brás Brandão, o BBB, conceituado analista político de Brasilina, pacata cidade do extremo oeste da região sul do Nordeste, cuja política vira ao sabor dos ventos tal qual biruta de aeroporto.

Tudo começou quando faleceu madame Chantily Du Bois, a Chantal, dona do único bordel da cidade. Charmosa e de temperamento forte, oferecia gratuidade ao prefeito, ao presidente da câmara e ao juiz da comarca. Hábil e traquejada, jamais permitiu que se encontrassem em sua casa de tolerância e fazia com que cada um se sentisse o único a merecer tratamento preferencial.

Sem herdeiros, Chantal deixou o bordel em testamento para Jacqueline Champignon Du Bois, a Jackie. Ninguém conhecia a francesinha, como foi chamada, mas os três chefes de poder começaram a se digladiar em luta franca, trazendo à tona a podridão da política local. Em disputa, o privilégio de cortejar a nova dona do importante estabelecimento e merecer seus favores.

Na data de sua chegada, o prefeito mandou lavar e perfumar o Ford Ka oficial e foi à vizinha Peroba Seca esperar o trem de Jackie. Encontrou o presidente da câmara e o juiz em ternos recém-passados. BBB quebrou o gelo ao propor um café para apaziguar os ânimos.

Do bar da estação, eles acompanharam o desembarque de uma dúzia de passageiros, todos aguardados por familiares, com uma exceção. A mulher em vestido esvoaçante de tule rosa, com chapéu Floppy Copacabana e duas grandes malas, parecia perdida, aguardando socorro, mas nenhum dos quatro cavalheiros se moveu até a verem bem.

O vento levou o chapéu e ao virar-se para pegá-lo, revelou rugas, dentes de ouro e cabelos brancos. O rosto era um misto da finada primeira ministra Golda Meir com Dercy Gonçalves em fim de carreira.

Silêncio no bar. BBB sugeriu uma Declaração à Nação, o juiz aprovou o texto, o presidente da câmara pediu a conta e o prefeito ofereceu carona no Ford Ka oficial. A paz voltou a Brasilina. Jacqueline Champignon Du Bois ficou na plataforma pensando no que fazer. Não há táxi em Peroba Seca.

E ainda há quem se aventure em manifestações por causa dessa corja de políticos!


Revisão ortográfica: Anne Preste


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