O nobre casal estava animado. Após dois séculos iriam rever o Rio, o primogênito, amigos, a terra querida, mas Pedro só pensava na Marquesa Domitila e nas outras cortesãs, além do parça fiel que deixou para trás ao partir para a Metrópole. Não entendeu quando o Pai falou em Galeão, típico navio de guerra fortemente armado. Não havia tal necessidade.
Surgiram no saguão de desembarque, estranharam as pessoas, os trajes, os modos, preencheram o formulário e entraram na fila.
— Quanta burocracia. Ninguém a nos receber e veja o espaço para o nome. Não cabe nem metade de Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon.
— Escreve só Pedro Bourbon, ou Pedro I. Todos te conhecem.
O funcionário notou o erro na data de nascimento, ele 1798 ela 1799. Impossível! Como não tinham bagagem, imaginou serem artistas da semana da pátria e deixou passar. Na saída, um malandro caça passageiro os conduziu até o taxi clandestino. Pedro pediu para tocar para a Quinta da Boa Vista.
Foram abordados por pedintes, vendedores, milicianos e gente do tráfico nas ruas imundas, mas as praias eram lindas e as banhistas seminuas. Pedro se animou, deixou Leopoldina na Quinta e foi para São Paulo, no Ipiranga.
Não reconheceu o riacho espremido pela avenida Ricardo Jafet, com os vendedores de panos nas esquinas. Ninguém sabia de Domitila ou Bonifácio. Soube que a Capital agora fica no Planalto Central, pegou Leopoldina e rumou para Brasília para avistar-se com o tal Mito para saber como está seu legado. Chegaram à Capital no dia 7 de setembro, 199 anos após seu heróico brado.
O casal detestou Brasília e os prédios envidraçados, sem belos jardins, pomares, macacos e araras nas árvores, sem praias. Centenas de índios acampados no vasto Eixo comiam pão com mortadela e bebiam de uma lata vermelha. Na Praça dos Três Poderes viram lanceiros em belos cavalos. Pedro imaginou ser em sua homenagem, mas descobriu que ninguém o esperava.
Foi recebido com mesuras pelo cerimonial do Palácio, que aprovou a escolha dos atores e do figurino pelo MEC. Surgiu uma manada de estranhas montarias sobre duas rodas. Disseram-lhe que era a motociata. O Mito parou uns minutos no cercadinho e depois entrou no Palácio cercado de bajuladores.
— Salve Pedrão! Bom dia madame. Vamos entrando, tá Okei.
O anfitrião acompanhou o casal ao salão nobre, pediu Tubaína, deixou Leopoldina com a primeira dama e puxou conversa com o visitante.
— E aí Pedrão, o que é que tu conta?
— Como estão as relações com a Corte?
— Difícil, porr@. Não me dão sossego. É um inquérito por dia.
— Pedroca, você era da Direita ou da Esquerda?
— Eu era o Poder Moderador.
— Chi, já vi que era do Centrão ou isentão, rá rá rá
— Diga-me cá uma coisa, ô pá. Como está o Caxias?
— É meu grande herói, mas tem gente que não gosta de militares.
— Portugal e Espanha ainda são nações poderosas?
— Nem se classificaram para as finais da Eurocopa. Deu Itália.
— Quais são as potências militares do mundo atual?
— Tem a China, a Rússia, mas os Estados Unidos ainda lideram.
— As 13 Colônias? Quem diria. Ainda bem que papai escreveu ao George Washington desejando sucesso. Onde encontro Chalaça?
— Cachaça tem em todo lugar. Quem é chegado é o Luiz 51, rá rá rá.
— Deve descender de Luiz XVI. O Chalaça que procuro é Francisco Gomes da Silva, grande amigo. Deixa estar, ô pá! Cadê sua coroa?
— Separei faz tempo. Agora tô com a Michele. Bem mais gata.
— Não vos compreendo. Onde fica a sala do trono?
— No corredor, segunda porta à esquerda. O das damas é ao lado.
— Tens dois tronos? Um para ti e outro para a madame? Interessante.
Pedro foi ao trono. O Mito pediu à primeira dama que cuidasse dele e convidou Leopoldina para a motociata da Paulista. Nisso, um raio atingiu o terreiro do Pai Ambrósio, médium e pai de santo, encerrando a conexão com o além. O nobre casal desencarnou novamente e retornou aborrecido à cripta do Monumento do Ipiranga.
— Michele, cadê os artistas? Adorei as fantasias.
— Raios. Esse pai Ambrósio é um charlatão. Estive em São Paulo, Rio, Brasília e nada de rever a Marquesa ou mesmo o Chalaça. Esse tal de Mito é um doido varrido. Triste o destino do meu império.
— Bem que mamãe avisou para não sair da Áustria. Morri, o gajo casou-se novamente e após dois séculos sem me ver, em vez de perguntar como estou, só se preocupou com a rapariga de Santos. E essa obra de restauro que não acaba nunca. Descanse em paz! Rá rá rá! Só pode ser piada de português! Raios.