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O mundo acabou? Sacanagem! Cadê meu Auxílio Emergencial? E a restituição de Imposto de Renda? Acabar o mundo antes do fim da pandemia não é sensato. O que diz a OMS? Faltou planejamento, divulgação. E o protocolo de fim do mundo para evitar aglomeração? O fim do mundo será presencial? Terá “bota fora”? Isso me pegou de surpresa e preciso analisar os fatos:
Prós:
Moro sozinho, estou de molho há três anos.
Vários carnês vencendo dia 25 e relatórios para entregar.
Tenho colonoscopia em 10 dias.
Mesmo que adiem o fim do mundo, o Brasil não dará certo mesmo.
Contras:
Glorinha, a vizinha apetitosa do 42B, está me dando bola.
Conclusão:
O argumento contra é muito mais relevante. É preciso adiar o fim do mundo, pelo menos até eu chegar na Glorinha.
Acordei entre nuvens, com o celular anunciando mensagem:
— A viagem está prestes a começar. Faça sua higiene pessoal, vista-se e aguarde a contagem regressiva. Toda a comunicação foi cortada. Seu celular se desintegrará no início da abdução.
Que doideira! Será um sonho? Se for pegadinha, é das boas. Olhei pela janela e vi vultos flutuando e sumindo. Escovei os dentes, tomei banho. Após usar cada coisa, escova, pasta, sabonete, tudo se desintegrava. No quarto, só uma cadeira, celular e um camisolão branco. Nova mensagem:
— A abdução em cinco minutos. Esteja pronto.
Vesti o camisolão e peguei o celular. Sem sinal. Acessei a caixa postal.
— Você tem várias mensagens não ouvidas. Primeira mensagem:
— Oi, é a Glorinha do 42B. Meu noivo volta amanhã. Tem de ser hoje.
Caramba, ela topou! O que é que eu faço?
— Segunda mensagem:
— Aqui é da tesouraria da Universal. Em virtude do fim do mundo, o vencimento do boleto do dízimo foi antecipado.
— Terceira mensagem:
— Aproveite a mega liquidação de fim de mundo da Marabrás.
— Quarta mensagem:
— Hoje, live com Roberto Carlos: “Jesus Cristo, eu ainda estou aqui”.
— Contagem regressiva iniciada. Dez, nove,
— Quinta mensagem:
— Aqui é o Pastor Valdomiro. Últimos lotes no paraíso. Aproveite!
— Seis, cinco,
— Última mensagem:
— Cara, cadê você? Acertamos a Mega-Sena acumulada. Tâmo rico.
— Dois, um.
— Glorinhaaaa! Cadê você? Cadê minha graaaaaaanaaa?
— Boa viagem. Feliz eternidade.
Cheguei num lugar sem chão, teto ou parede. Só uma enorme fila e uma enorme faixa bem distante escrita “Triagem”. Uma voz do alto dizia:
— Escolha um guichê vazio, aproxime-se, olhe para a câmera de reconhecimento facial e siga na direção indicada.
Olhei para a câmera, ouvi meu nome e a instrução: corredor P2. Disse a alguém que monitorava a fila:
— Bom dia, boa tarde, sei lá. Com licença, o que é “corredor P2”?
— Purgatório 2. Siga em frente.
— Sim, entendi. Quem é você e por que estou aqui?
— Sou Uriel. Devia estar feliz. O P2 é suave e seu caso tem conserto.
— Como assim?
— P2 é um estágio destinado aos não elegíveis para o bom lugar, mas que também não foram direto para as profundezas.
— Bom lugar? Profundezas? O que é isso?
— Vou checar no sistema. Achei. Você errou bastante, mas não era mau sujeito. Por isso veio para cá depois que o mundo acabou. Cumpra sua penitência e vá para a morada eterna.
Entregou-me um folheto, mandou seguir e disse ser apenas um ritual de purificação, uns quatro anos no tempo terrestre. O folheto dizia: Corredor P2, alojamento 37. Siga a luz amarela. Achei um quarto com três beliches, pouca mobília e um manual de instruções com meu nome:
“Bem-vindo. Seus colegas são um fundamentalista islâmico, um black block, um operador de telemarketing, um cantor de funk e um jornalista argentino. Assista ao vídeo de orientação, cumpra a penitência e logo irá para o P1.”
Na despesa, Miojo sabor Jiló, Hambúrguer de soja, lasanha vegana de berinjela desidratada e canja hipossódica de quinoa. Água, cerveja Cristal e Dolly diet. Sem gelo. Na TV, clipes de Pabblo Vittar, MC’s e vídeos da CPI. Vi umas caras conhecidas entrando no alojamento em frente e fui bisbilhotar, quando me cutucaram.
— Olá, perdido?
— Não, só vim conferir o... Quem é você?
— Salatiel, supervisor do P2.
— Aqueles são, Sarney, Lula, Bolsonaro, Maluf? E aquelas moças são...
— Acertou, são eles mesmos. E elas eram garotas de programa.
— Tá certo que eu cometi uns erros, mas esses caras vêm para cá com companhia feminina e eu me ferro com cinco malucos? Não é justo!
— Eles foram designados direto para baixo. Estão aqui só para auxiliar nosso trabalho. Passar um ano com eles é a penitência das garotas!
Revisão ortográfica: Anne Preste