Pensa num cabra azarado. Pensou? É um sortudo se comparado a Baltazar Romeu. Notaram a sutileza? “Baita Azar o Meu”, vice rei da falta de sorte. Nem no azar ele é rei. Foi trabalhar no circo como malabarista, mas era apenas o rapaz que ia atrás do elefante com o baldinho.
Serviu o Exército, integrou a missão de paz no Haiti, feriu-se, mas não levou tiro. Deu baixa, cursou faculdade e casou-se com Rosa Flor, mas essa Rosa é só espinhos, casca-grossa, falsa, gastadora e infiel. Baita azar não ter levado um tiro fatal no Haiti, diz diariamente para o espelho.
Bom vendedor, seus melhores clientes são surrupiados por Roberval, o chefe desprezível e assediador. Com o isolamento e o home office, passou a vender pela Internet. Sem o chefe por perto, sua renda aumentou muito, e os gastos de Rosa Flor também. No retorno ao trabalho presencial, teve emoções contraditórias, longe da gastadora, mas perto do chefe sacana. O consolo foi rever Helô, a recepcionista linda e fogosa por quem nutre amor platônico.
Para animar o pessoal, Dora, a gerente de R.H., programou uma festa de Amigo Secreto, com troca de presentes, muita bebida e balada até altas horas. Dora, 30 e poucos anos, é linda, escultural, tudo em cima, muita areia para qualquer caminhãozinho. É casada com Roberval, o chefe de Baltazar.
Com ajuda do R.H., conseguiu tirar Helô no sorteio do amigo secreto. Seu plano é presenteá-la com uma lingerie sexy, convidar para sair, dar um pé na Rosa Flor e ser feliz com uma mulher de verdade, mas Helô não desgruda do Chip, o rapaz da Informática, um nerd cabeludo, magrelo e desengonçado.
Baltazar entregou o presente que Helô foi receber de mãos dadas com nerd. Agradeceu, desembrulhou, sorriu, abraçou e beijou. Não Baltazar, mas o Chip! Dora tinha trocado a lingerie por um perfume e livrou a cara do vendedor sem sorte. O amigo secreto de Baltazar era Roberval, que não foi à festa e deixou o presente com Dora: uma gravata surrada e ainda com a mancha de molho de macarrão de um almoço com clientes.
Baltazar foi embora arrasado. Não tem como piorar, pensou, até ver o carro do chefe na sua vaga na garagem. Da rua, ouviam-se música, gemidos e gritos histéricos do quarto do casal. Um homem que podava a árvore consolou Baltazar, que voltou para a festa para tomar todas. Música romântica, casais se pegando, Helô e Chip idem, Baltazar pediu whisky duplo e Dora perguntou:
— Viu o safado?
— Quem?
— Roberval, na cama com sua mulher.
— Como você sabe?
— Contratei um investigador. Ele finge que poda árvores, filma tudo e eu assisto em tempo real.
— Por que fez isso?
— Meu pai é dono da empresa. Roberval casou comigo em troca do cargo de gerente. Casamento arranjado.
— Você é linda, deslumbrante, não precisa de casamento arranjado.
— Eu mesma sugeri ao papai. Não queria ficar só, mas me dei mal.
— Com uma esposa como você, por que ele dá em cima da mulherada?
— Aventura. Faço vista grossa, mas pegar esposa de colega é demais.
— Que ironia: você se casou com um garanhão que não é só seu e eu com alguém que não quer nada comigo, exceto meu salário.
— Que tal mudar o arranjo? Meu pai demite o Roberval, você casa comigo e vira gerente. Topa?
Ainda sem entender por que alguém casado com uma beldade como Dora cantou sua mulher, ele topou o arranjo, por pura vingança. A sorte lhe sorriu, afinal. Roberval foi demitido, Baltazar assumiu a gerência, casou-se e viajou em lua de mel, mas a ficha logo caiu. Por que Roberval assedia tantas mulheres? Porque Dora é o nome social de Dorival Maranhão Jr., primogênito do patrão, corpão esculpido a bisturi, silicone e botox.
Pelo menos a grana agora é só minha, pensou Baltazar enquanto dirigia e cantarolava Ataulfo: “Laranja madura, na beira da estrada, tá bichada Zé, ou tem marimbondo no pé”. Baita azar, Baltazar. Será que a Helô tá dando sopa? Vida que segue.
Revisão ortográfica: Anne Preste