O amigo secreto


O azarado Baltazar Romeu tem planos para a festa do Amigo Secreto.


Laerte Temple

12.12.2021

Pensa num cabra azarado. Pensou? É um sortudo se comparado a Baltazar Romeu. Notaram a sutileza? “Baita Azar o Meu”, vice rei da falta de sorte. Nem no azar ele é rei. Foi trabalhar no circo como malabarista, mas era apenas o rapaz que ia atrás do elefante com o baldinho.

Serviu o Exército, integrou a missão de paz no Haiti, feriu-se, mas não levou tiro. Deu baixa, cursou faculdade e casou-se com Rosa Flor, mas essa Rosa é só espinhos, casca-grossa, falsa, gastadora e infiel. Baita azar não ter levado um tiro fatal no Haiti, diz diariamente para o espelho.

Bom vendedor, seus melhores clientes são surrupiados por Roberval, o chefe desprezível e assediador. Com o isolamento e o home office, passou a vender pela Internet. Sem o chefe por perto, sua renda aumentou muito, e os gastos de Rosa Flor também. No retorno ao trabalho presencial, teve emoções contraditórias, longe da gastadora, mas perto do chefe sacana. O consolo foi rever Helô, a recepcionista linda e fogosa por quem nutre amor platônico.

Para animar o pessoal, Dora, a gerente de R.H., programou uma festa de Amigo Secreto, com troca de presentes, muita bebida e balada até altas horas. Dora, 30 e poucos anos, é linda, escultural, tudo em cima, muita areia para qualquer caminhãozinho. É casada com Roberval, o chefe de Baltazar.

Com ajuda do R.H., conseguiu tirar Helô no sorteio do amigo secreto. Seu plano é presenteá-la com uma lingerie sexy, convidar para sair, dar um pé na Rosa Flor e ser feliz com uma mulher de verdade, mas Helô não desgruda do Chip, o rapaz da Informática, um nerd cabeludo, magrelo e desengonçado.

Baltazar entregou o presente que Helô foi receber de mãos dadas com nerd. Agradeceu, desembrulhou, sorriu, abraçou e beijou. Não Baltazar, mas o Chip! Dora tinha trocado a lingerie por um perfume e livrou a cara do vendedor sem sorte. O amigo secreto de Baltazar era Roberval, que não foi à festa e deixou o presente com Dora: uma gravata surrada e ainda com a mancha de molho de macarrão de um almoço com clientes.

Baltazar foi embora arrasado. Não tem como piorar, pensou, até ver o carro do chefe na sua vaga na garagem. Da rua, ouviam-se música, gemidos e gritos histéricos do quarto do casal. Um homem que podava a árvore consolou Baltazar, que voltou para a festa para tomar todas. Música romântica, casais se pegando, Helô e Chip idem, Baltazar pediu whisky duplo e Dora perguntou:

Viu o safado?

Quem?

Roberval, na cama com sua mulher.

Como você sabe?

Contratei um investigador. Ele finge que poda árvores, filma tudo e eu assisto em tempo real.

Por que fez isso?

Meu pai é dono da empresa. Roberval casou comigo em troca do cargo de gerente. Casamento arranjado.

Você é linda, deslumbrante, não precisa de casamento arranjado.

Eu mesma sugeri ao papai. Não queria ficar só, mas me dei mal.

Com uma esposa como você, por que ele dá em cima da mulherada?

Aventura. Faço vista grossa, mas pegar esposa de colega é demais.

Que ironia: você se casou com um garanhão que não é só seu e eu com alguém que não quer nada comigo, exceto meu salário.

Que tal mudar o arranjo? Meu pai demite o Roberval, você casa comigo e vira gerente. Topa?

Ainda sem entender por que alguém casado com uma beldade como Dora cantou sua mulher, ele topou o arranjo, por pura vingança. A sorte lhe sorriu, afinal. Roberval foi demitido, Baltazar assumiu a gerência, casou-se e viajou em lua de mel, mas a ficha logo caiu. Por que Roberval assedia tantas mulheres? Porque Dora é o nome social de Dorival Maranhão Jr., primogênito do patrão, corpão esculpido a bisturi, silicone e botox.

Pelo menos a grana agora é só minha, pensou Baltazar enquanto dirigia e cantarolava Ataulfo: “Laranja madura, na beira da estrada, tá bichada Zé, ou tem marimbondo no pé”. Baita azar, Baltazar. Será que a Helô tá dando sopa? Vida que segue.


Revisão ortográfica: Anne Preste


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