Novembro azul

Um matuto, cabra arretado, é aconselhado a consultar um urologista no Novembro Azul


Laerte Temple

07.11.2021

Emerenciano Castanheira, capitão do mato, dono de um pedaço de chão no distrito de Capim Gordura, município de São Fabiano, Mato Grosso, casou-se três vezes e nunca descasou. Mora no rancho com as três esposas, 17 filhos e 8 netos. Na região e na vizinha Bolívia, há quem garanta que existem várias amantes e cachos, além de duas dezenas de filhos. Não sabe dizer quantos anos tem, nem quantas mulheres conheceu, mas ele garante que ainda dá no coro e está longe de sossegar.

Cabra macho, só não é mais macho por falta de espaço, gaba-se do potente regador de moita que, segundo diz, é mais afiado do que faca de açougueiro, mais usado do que banheiro de rodoviária e, como um bom trabuco, nunca negou fogo.

Quando a Internet chegou na escola do vilarejo, sua filha caçula, professora, convenceu a mãe e as duas madrastas a fazerem o exame preventivo para detecção de câncer de mama, no Outubro Rosa. A doutora Violeta ficou feliz com a adesão das mulheres. Sabedora das virtudes do capitão, ela mesma – segundo dizem – mãe de dois de seus rebentos, a médica pediu que as esposas convencessem o matuto a consultar-se no mês seguinte, no Novembro Azul.

Mal terminaram de explicar a Emerenciano e voou faísca para todo lado. O matuto, mais valente que onça com cria, ficou de pensar no caso, mas não imaginava alguém escarafunchando suas intimidades. A doutora Violeta confirmou o que a filha disse e ele perguntou se ela mesma daria uma olhada, de leve, mas ela respondeu que tem de ser um urologista e indicou seu primo, que é do ramo.

— Prefiro a doutora. Mais delicada, entende?

— Merê – assim ela o trata na intimidade – existem mulheres urologistas, mas não conheço nenhuma perto de Capim Gordura.

— Nunca necessitei disso. Por que agora?

— É prevenção, Merê. É importante. Olha, meu antigo professor, doutor Zinho, é urologista em Mirassol D’Oeste, uns 160 quilômetros daqui. É velhinho, miúdo, esquece logo e ninguém te conhece naquelas bandas.

— Cê que pensa, doutora. Duas vezes tive de sair correndo de lá. Uma num cabaré e outra pra fugir dos jagunços de um marido ciumento.

— Lembro disso, mas já faz tempo. Se quiser, telefono para ele e agendo.

— Tá bom, mas avisa que se ele frescar comigo, leva chumbo.

Emerenciano, briguento que só galo de rinha, mais nervoso que Pit Bull com unha encravada, assuntou o pessoal do cabaré da Vila e descobriu que os homens fazem esse exame regularmente. A filha imprimiu e deu ao pai a orientação. Nos três dias anteriores: não andar de moto (acha que é coisa de boiola), não andar a cavalo (complicou), nada de sexo (ferrou). Três dias seguidos? Que macho aguenta?

No dia agendado ele partiu de carroça rumo a Mirassol d' Oeste. Dentre os alimentos, bebidas e artifícios pesquisados pela filha para conter a libido às vésperas do exame, optou pelas gravações das sessões do STF e da CPI da pandemia.

A doutora Violeta preveniu o doutor Zinho que Emerenciano só esteve diante de um médico quando chutou um porco espinho por engano. Nunca foi a uma consulta e se trata apenas com ervas caseiras. O doutor abordou o paciente com tato. Fez as perguntas de praxe, sobre a glândula masculina e sobre seus hábitos de higiene.

— O senhor bebe?

— Aceito.

— Não estou oferecendo. Perguntei se o senhor toma álcool.

— Só quando a cachaça acaba.

— Consome algum tipo de droga?

— Só mulher feia.

O capitão não sabe o que é sexo seguro e abomina fresquices como higiene íntima, preservativo e não tem qualquer critério para seleção de parceiras. O idoso doutor pediu para ele baixar a calça e a cueca e sentar na maca. Nem precisou se deitar. Assim que bateu os olhos nas intimidades do matuto, deparou-se com verrugas, pústulas e toda espécie de feridas.

— Pode se vestir senhor.

— Já? Que bom. A doutora disse que o senhor ia botar luva e me cutucar.

— Não é preciso. Já vi o suficiente.

— Que bom. Nos vemos no ano que vem?

— Duvido que ainda estejamos por aqui.

— Vai viajar?

— Talvez uma viagem sem volta, e provavelmente o senhor.

— Doutor, o negócio coça muito, arde quando rego o mato e também no sábado, na hora do banho. O que devo fazer?

— Não precisa fazer nada. Cai sozinho.

Revisão ortográfica: Leilaine Nogueira


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