Emerenciano Castanheira, capitão do mato, dono de um pedaço de chão no distrito de Capim Gordura, município de São Fabiano, Mato Grosso, casou-se três vezes e nunca descasou. Mora no rancho com as três esposas, 17 filhos e 8 netos. Na região e na vizinha Bolívia, há quem garanta que existem várias amantes e cachos, além de duas dezenas de filhos. Não sabe dizer quantos anos tem, nem quantas mulheres conheceu, mas ele garante que ainda dá no coro e está longe de sossegar.
Cabra macho, só não é mais macho por falta de espaço, gaba-se do potente regador de moita que, segundo diz, é mais afiado do que faca de açougueiro, mais usado do que banheiro de rodoviária e, como um bom trabuco, nunca negou fogo.
Quando a Internet chegou na escola do vilarejo, sua filha caçula, professora, convenceu a mãe e as duas madrastas a fazerem o exame preventivo para detecção de câncer de mama, no Outubro Rosa. A doutora Violeta ficou feliz com a adesão das mulheres. Sabedora das virtudes do capitão, ela mesma – segundo dizem – mãe de dois de seus rebentos, a médica pediu que as esposas convencessem o matuto a consultar-se no mês seguinte, no Novembro Azul.
Mal terminaram de explicar a Emerenciano e voou faísca para todo lado. O matuto, mais valente que onça com cria, ficou de pensar no caso, mas não imaginava alguém escarafunchando suas intimidades. A doutora Violeta confirmou o que a filha disse e ele perguntou se ela mesma daria uma olhada, de leve, mas ela respondeu que tem de ser um urologista e indicou seu primo, que é do ramo.
— Prefiro a doutora. Mais delicada, entende?
— Merê – assim ela o trata na intimidade – existem mulheres urologistas, mas não conheço nenhuma perto de Capim Gordura.
— Nunca necessitei disso. Por que agora?
— É prevenção, Merê. É importante. Olha, meu antigo professor, doutor Zinho, é urologista em Mirassol D’Oeste, uns 160 quilômetros daqui. É velhinho, miúdo, esquece logo e ninguém te conhece naquelas bandas.
— Cê que pensa, doutora. Duas vezes tive de sair correndo de lá. Uma num cabaré e outra pra fugir dos jagunços de um marido ciumento.
— Lembro disso, mas já faz tempo. Se quiser, telefono para ele e agendo.
— Tá bom, mas avisa que se ele frescar comigo, leva chumbo.
Emerenciano, briguento que só galo de rinha, mais nervoso que Pit Bull com unha encravada, assuntou o pessoal do cabaré da Vila e descobriu que os homens fazem esse exame regularmente. A filha imprimiu e deu ao pai a orientação. Nos três dias anteriores: não andar de moto (acha que é coisa de boiola), não andar a cavalo (complicou), nada de sexo (ferrou). Três dias seguidos? Que macho aguenta?
No dia agendado ele partiu de carroça rumo a Mirassol d' Oeste. Dentre os alimentos, bebidas e artifícios pesquisados pela filha para conter a libido às vésperas do exame, optou pelas gravações das sessões do STF e da CPI da pandemia.
A doutora Violeta preveniu o doutor Zinho que Emerenciano só esteve diante de um médico quando chutou um porco espinho por engano. Nunca foi a uma consulta e se trata apenas com ervas caseiras. O doutor abordou o paciente com tato. Fez as perguntas de praxe, sobre a glândula masculina e sobre seus hábitos de higiene.
— O senhor bebe?
— Aceito.
— Não estou oferecendo. Perguntei se o senhor toma álcool.
— Só quando a cachaça acaba.
— Consome algum tipo de droga?
— Só mulher feia.
O capitão não sabe o que é sexo seguro e abomina fresquices como higiene íntima, preservativo e não tem qualquer critério para seleção de parceiras. O idoso doutor pediu para ele baixar a calça e a cueca e sentar na maca. Nem precisou se deitar. Assim que bateu os olhos nas intimidades do matuto, deparou-se com verrugas, pústulas e toda espécie de feridas.
— Pode se vestir senhor.
— Já? Que bom. A doutora disse que o senhor ia botar luva e me cutucar.
— Não é preciso. Já vi o suficiente.
— Que bom. Nos vemos no ano que vem?
— Duvido que ainda estejamos por aqui.
— Vai viajar?
— Talvez uma viagem sem volta, e provavelmente o senhor.
— Doutor, o negócio coça muito, arde quando rego o mato e também no sábado, na hora do banho. O que devo fazer?
— Não precisa fazer nada. Cai sozinho.
Revisão ortográfica: Leilaine Nogueira