Madaleno não dormiu bem e não sabia o motivo. Jantou, descansou, tomou remédios para pressão, colesterol, diabetes, úlcera, triglicérides e artrite reumatoide. Não tomou o remédio da memória porque acabou e ele esqueceu de comprar. Acordou preocupado com o que lhe tirou o sono. Pegou o jornal e leu: último dia para entrega do Imposto de Renda. É isso! Esqueci! Largou o café da manhã e foi para o home office.
A mesa estava uma bagunça e Madaleno decidiu arrumar tudo e depois, força, foco e fé no I. R. Não levaria mais que duas ou três horas, mas o laptop pediu para atualizar o sistema operacional. Melhor atender.
‒ Atualização iniciada. Tempo estimado: 40 minutos.
‒ Droga! Esqueci de atualizar antes. Mas ainda tenho muito tempo.
Madaleno precisava de um cafezinho. Pôs água na caneca, acendeu o fogo, viu as plantas secas na varanda e decidiu aguar. Retirou folhas mortas, limpou o piso e voltou à cozinha: a água evaporou. Mais água na caneca e foi ver o computador. Tela preta. Esqueceu de ligar na tomada e a bateria não aguentou. Maldita memória! Ligou o laptop na tomada e reiniciou o processo.
O interfone tocou: portaria avisando que é hora de colocar o lixo no corredor. O saco plástico estourou, ele pegou outro, mas precisou limpar a meleca no piso. Pegou balde, pano, produtos de limpeza e limpou tudo. Abriu a porta e o faxineiro já tinha passado. Recolocou o saco na lavanderia e voltou para a cozinha. A água evaporou, mas ainda deu para fazer um café curto.
Interfone novamente: seu carro está brecado e sem chave no painel para o vizinho manobrar. O elevador demorou e quando a porta abriu, dona Carmona apontou que ele estava sem máscara. Voltou para pegar, mas não lembrava onde guardou. Improvisou um pano no rosto, desceu pela escada e desculpou-se com o vizinho. Voltou para a cozinha: café frio.
O computador ressuscitou. Tudo pronto para começar, exceto pelo alerta do antivírus. Melhor atualizar. Entrou no site, iniciou a compra, mas esqueceu a senha. Êita memória de m...@! Conseguiu recuperar a senha e agora era só lembrar onde está o cartão de crédito. Após 10 minutos de busca:
‒ Compra finalizada com sucesso. Deseja instalar agora?
‒ Não! Comprei para colecionar! Claro que quero instalar, idiota!
‒ Tempo estimado: 10 minutos. O computador será reinicializado.
A campainha tocou. Madaleno abriu a porta da sala e não viu ninguém. Tocou novamente e ele se zangou porque não lembra a diferença de toques. Droga de memória! Era o faxineiro entregando boletos e um livro: “Exercícios de memória – como melhorar a memória e a concentração.” Não lembrava da compra. Assinou o protocolo e sentiu o estômago reclamar. Viu o ímã de geladeira com o número do delivery e pediu almoço.
Voltou ao computador. Desta vez tudo certo. Ia acessar o site da Receita Federal quando notou 78 e-mails não lidos. 72 eram vendas: mangueira mágica, remédios para impotência, planos de saúde, aumente seu pênis, mais planos de saúde, operadoras de celular, Tarô digital etc. Cinco eram cobranças do que esqueceu de pagar e um não abria. Forçou abrir e o laptop travou.
‒ Deve ser vírus. Preciso atualizar o antivírus.
Interfone tocou: comida. No térreo, vê-se no espelho, sem máscara. Voltou e viu a porta da cozinha aberta. O cachorro do vizinho demarcou território no tapete. Tentou espantar o animal e levou uma mordida. Não lembra onde está o band-aid. Pesquisou mordida de cão no Google, ligou para a farmácia, pediu remédios e band-aid.
O interfone tocou novamente e ele foi buscar a comida, já fria. Reaqueceu no micro-ondas, ligou a TV e o locutor lembrou o prazo para a declaração de renda. Largou tudo e entrou no link da Receita:
‒ Atualize o aplicativo Jawa para baixar o software do IR.
‒ Instalação do Jawa em andamento. O computador será reinicializado. Tempo estimado: 15 minutos.
Voltou à cozinha para almoçar a comida fria. Retornou ao escritório e começou a declaração. Não lembra onde estão os comprovantes. Após meia hora procurando, resolveu telefonar para o contador.
‒ Chiquinho, tudo bem? Preciso dos comprovantes de rendimentos.
‒ Estão aqui, mas por que precisa disso?
‒ Para fazer minha declaração, oras! Hoje é o último dia!
‒ Madaleno, você me mandou os comprovantes há um mês, fiz sua declaração e já entreguei. Esqueceu?
‒ Alô! É da farmácia? Qual é o melhor remédio para a memória?
Conhecem alguém assim? Esquecido e atrapalhado? Eu conheço, só não me lembro quem é.
Revisão ortográfica: Anne Preste