O texto brinca com o anedotário popular que afirma que as vacinas têm efeitos colaterais – virar jacaré ou mudar de sexo
09.05.2021Na sala de controle, a técnica T14 monitorava os voluntários V1 e V2 quando chegou o chefe C3. Nomes e cargos eram ultra secretos e as pessoas só se conheciam pelos códigos. As instalações eram subterrâneas e dotadas de isolamento acústico. A localização era sigilosa e o acesso por scanner de retina. C3 perguntou se havia alguma alteração e T14 respondeu que a conversa era muito estranha, mas ainda era cedo para conclusões. V1 e V2, ambos do sexo masculino, 65 anos e nível superior, únicas informações reveladas, não se conheciam. Acordaram há menos de uma hora no quarto Q8 e mantinham um diálogo amistoso, porém surreal. T14 pediu para C3 colocar o fone de ouvido e jogou a imagem no telão.
— Cara, não sei como cheguei aqui, nem quem sou ou quem é você. Só sei que a viagem foi uma loucura total.
— Conta tudo.
— Primeiro senti o corpo gelado, as unhas enormes e algo estranho atrás dos braços. Eu rastejava e salivava bastante. Quando me vi, parecia um dragão. Estava num matagal quando ouvi um barulho. Apavorei, sai correndo até encontrar um lago. Pulei na água e nadei bastante, mas só na superfície e com os olhos de fora para observar.
— Agiu bem. Precisa ficar esperto.
— De repente, fui engolido por um bicho enorme, mas ele não me mastigou. Fui direto para a barriga, junto com vários peixes.
— Que horror! Como saiu de lá?
— Fiquei pouco tempo lá dentro. Descobri que era uma baleia quando fui à superfície e me expeliu bem alto! Agarrei as patas de uma ave gigante que guinchou forte e me bicou. Tinha olhos vermelhos como sangue. Eu me soltei e percebi que atrás dos braços eu tinha asas. Planei um tempão até ver um enorme monte branco cheio de buracos. Entrei por um deles e acordei aqui. Estou com medo de levantar o lençol e descobrir que virei jacaré.
— Cara, que doideira! Comigo, foi diferente. Senti meu corpo muito quente quando acordei na areia da praia, completamente nu. Levantei e reparei que tinha cabelos longos e um par de seios. Apalpei lá embaixo e gelei quando não senti o Júnior. Em seu lugar tinha uma, bem você sabe o que. Também ouvi um barulho. Pensei que estava no meio da gravação de Largados e Pelados, mas o som vinha do alto. Olhei para cima e vi luzes coloridas girando em círculo. Uma escotilha se abriu e fui sugado para dentro de uma nave.
— Caramba! Uma nave espacial? Quem estava lá dentro?
— Um pelotão de berinjelas alienígenas armadas com pistolas de álcool em gel. O comandante era um pimentão hidropônico narigudo e os pilotos, duas baratas gigantes de cor rosa choque, com um olho só. Faziam uns ruídos estranhos e piscavam. Deviam estar conversando. A nave voou velozmente e depois parou no ar, abriu a escotilha, escorreguei por um tobogã e vim parar aqui.
— Massa! Qual você tomou?
— Coronel Vaca ou Corona Vácuo. Sei lá. Parece que é da China.
— Me aplicaram a Putanik, ou Titanic, algo assim, da Rússia.
— O que acontece agora?
— Nem imagino. Só sei que vou continuar me prevenindo. Vitamina C, cachaça, mel e limão. E você?
— Eu também. Cloroquina, Catuaba com conhaque e camisinha.
— Camisinha pra que?
— Disseram que o bicho está em constante mutação. Já pensou se vira um espermatozoide? Não quero contaminar ninguém.
— Faz muito bem. E se te chamarem para a 2.ª dose, você vem?
— Claro! A viagem foi mutcho loca, mas é bem legal. E de graça!
— Que tal a gente pedir para trocar? Da próxima vez você toma a russa e eu a chinesa, só pra experimentar um barato diferente.
— Pra mim tá OK.
— Tâmo junto.
— Falou!
Revisão ortográfica: Anne Preste