Desemprego e auxílio

Dentre os que ficaram de fora do auxílio emergencial e também estão sem renda, temos o papai noel, o coelho da páscoa, o rei momo e outros. A crônica aborda uma reunião entre esses personagens para discutir os pleitos da categoria perante o governo.

Laerte Temple

16.05.2021

A pandemia surpreendeu o mundo e os cidadãos, empresas e governos lidam com o problema de diferentes formas. No setor privado, suspensão de contrato de trabalho, redução de jornada e salário, demissão, e-commerce, delivery, etc. No governo, (des)orientação, lockdown, politização, negação, jogo de empurra, corrupção, cloroquina, vacina e auxílio emergencial. A mídia cumpriu seu papel de (des)informar, variando entre sensacionalista, muito sensacionalista e totalmente sensacionalista, pois o que dá audiência é a notícia ruim. Negócios fecharam e o desemprego, já alto, cresceu ainda mais.

É verdade que teve apoio financeiro para empresas e categorias que foram proibidas de trabalhar (shows, eventos, bordéis, etc.), porém, com o cancelamento das festas públicas e feriados, seres místicos, celestiais e da cultura popular foram esquecidos e abandonados à própria sorte (ou azar). Arlequim foi nomeado interlocutor do grupo folclórico para negociar ajuda do governo e convocou reunião semipresencial na Casa da Mãe Joana.

— Bem-vindos. Agradeço à Mãe Joana por ceder a casa, sua conta no Zoom para a reunião e pergunto a razão da escolha de meu nome para representar este seleto grupo.

— Nada como um palhaço para lidar com o circo armado – falou o Saci.

Rei Momo e Colombina disseram que foram esquecidos, como Pierrô e Arlequim. Com o carnaval suspenso, muita gente festejou a presença deles e sem pagamento de royalties. O Coelho da Páscoa manifestou-se por Libras e citou o prejuízo com o fracasso nas vendas. Todo mundo fez ovos em casa. Mãe Joana disse que, apesar de não ter data comemorativa, sofreu na quarentena com as franquias fakes da sua Casa. O país inteiro virou Casa da Mãe Joana. Concorrência desleal.

A discussão corria solta quando, de repente, o Saci se transtornou ao ver na tela do Zoom o Cabeça de Abóbora, Tio Fester, representando a família Addams e a Bruxa de Salém. O Brasil instituiu o Dia do Saci, em 31 de outubro, mas a lei não pegou e as crianças preferem importar o enlatado Dia das Bruxas. Invasão de território, protestou o Saci inconformado.

Pelo Zoom, além dos bruxos, tinha o Papai Noel e a marmota Phil, o famoso meteorologista. Tio Fester lembrou que o Dia da Marmota foi celebrado em 2 de fevereiro, em Punxsutawney, Pensilvânia, mas Phil disse que foi on-line, sem público, com prejuízo financeiro e para sua imagem. Papai Noel também reportou prejuízos com a falta de trabalho e dinheiro para a ração balanceada das renas. O único satisfeito com a suspensão das festas era o Peru de Natal, por razões óbvias.

A reunião caminhava para o impasse quando surgiu na tela uma nuvem branca, o som de canto gregoriano e um ser alado flutuando no ar.

— Quem é você? – perguntou Arlequim.

— Sou o anjo Penafiel, assessor de imprensa celestial e guardião folclórico.

Você pode nos ajudar?

— Talvez, mas devo dizer que alguns entes celestiais também sofreram prejuízos na quarentena. Os festejos juninos foram cancelados e Antônio, João e Pedro, meus parças, estão inconsoláveis. O CEO Pedro me enviou porque vocês invocaram o nome do Supremo, diversas vezes, precedido da expressão “pelo amor”. O que querem?

— C-E-O! – exclamou Colombina com surpresa.

— Sim, estamos nos reestruturando, com ajuda do irmão Anjo Caído, que nos cedeu consultoria especializada em gestão de processos.

— O Capeta ajudando o celeste? Não acredito.

— É que aqui em cima não tem consultores. Foram todos lá para baixo.

— Seu Santo, dá pra intervir e pressionar o governo para liberar nossas festas e auxílio emergencial?

— Sou anjo, por favor. Posso colocar na pauta da próxima reunião do Conselho, mas não é tão simples. A CCJ precisa aprovar o parecer.

— C-C-J? Lá tem isso também? – perguntou Pierrô.

— Comissão Celestial de Justiça. Se autorizarem, a matéria entra na pauta e é levada para votação no plenário. Se for aprovada, o CEO Pedro despacha com o Supremo, que sanciona ou veta.

— Quanto tempo demora? – perguntou Rei Momo.

— Do início ao fim do processo, calculo uns seis meses.

— Seis meses? – espantou-se o Saci. É muito tempo.

— Talvez mais, talvez menos. Difícil dizer. Não contamos o tempo lá em cima. O caso de vocês é parecido com o das galinhas.

O anjo Penafiel explicou que as galinhas pediram audiência ao CEO Pedro para queixar que as aves têm apenas a cloaca, a única ligação com o sistema renal, reprodutor e gastrintestinal. Fazem as necessidades, recebem o galo e botam ovos diariamente por um único buraco. É muito sacrifício! O CEO Pedro perguntou o que queriam e elas responderam: queremos dois orifícios, como a maioria das fêmeas superiores. O CEO explicou que alterar um projeto animal é algo complexo, detalhou o processo e deu um prazo médio de seis meses para a resposta.

— Entendemos – disse Arlequim. Mas não sei se aguentamos tanto.

— Lamento, não tenho como reduzir o prazo de seis meses.

— E enquanto isso?

— Enquanto isso, façam como as galinhas. Continuem tomando no...

O tempo de Zoom terminou e a reunião foi encerrada sem deliberações.


Revisão ortográfica: Anne Preste


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