Um idoso, com dores no braço, procura atendimento e fica constrangido ao ter de explicar para uma doutora como a dor começou.
30.05.2021Depois dos 60, o corpo todo começa a doer. Se um dia você não sentir dores, olhe ao redor e veja se não está entre nuvens ou labaredas. É provável que tenha morrido. Pior do que sentir dores pelo corpo é ouvir a conversa na antessala do consultório. É cada coisa que o povo fala que até o que não doía começa a doer. Sempre tem alguém que sugere tratamento com chá, erva, unguento, emplasto, elixir, garrafada e até simpatia.
Certa manhã, o pedreiro Waldisney Silva, 62, cearense arretado, era o único homem na sala de espera e o terceiro da fila. Ouviu Sidileide explicar à amiga Jessivânia como se prepara a pomada de fígado de gambá com espinheira-santa, dente de leão e unha de gato moída. Tiro e queda para os problemas da próstata do marido.
A enfermeira chamou Waldisney para completar a ficha e perguntou qual era o problema. Ele falou que doía o ombro e o braço direito. Perguntou como começou, ele pensou e disse que foi devido a uma coisa pessoal e íntima. Tentou obter mais detalhes, porém ele insistiu que só ia dizer ao doutor. Ela sorriu com ironia e a mente poluída logo imaginou excesso de sexo solitário. Anotou a HD – hipótese diagnóstica – na ficha e disse:
— Pode sentar senhor Waldisney. Logo a doutora irá atender.
— Doutora?
— O doutor Anacleto está numa emergência e quem está atendendo é a plantonista, Dra. Clarice.
Waldisney imaginou o constrangimento, mas agora era o segundo na fila. Pensou em desistir, mas desistiu de desistir. A dor nem era tão forte, mas a limitação nos movimentos causava situações embaraçosas.
— Bom dia, eu sou a doutora Clarice. O que houve senhor Walt Disney?
— É Waldisney dotôra. O braço dói tudinho, do ombro até a mão.
— Como isso aconteceu?
— Durante uma intimidade eu senti a fisgada e agora num consigo mais fazê direito.
— O senhor é casado, tem 62 anos e ainda abusa do sexo solitário?
— Num faço isso desde os 14 anos dotôra, graças à Dorinha.
— Namorada?
— Não. Uma jumentinha que ganhei do padrinho. Lá no sertão a gente..
— Já entendi. Poupe-me dos detalhes. Conte como foi a contusão.
— Então, na 1.ª e na 2.ª foi tranquilo, mas na 3.ª...
— Terceira? Nossa! Na sua idade? É sempre assim?
— Quase todo santo dia dotôra. Eu e a Romirda já tâmo acostumado.
— Nossa! Bem, senhor Waldisney, eu recomento que o senhor fale com sua esposa e mude de posição, entende? Se o senhor ficar com as costas no colchão, não fará tanto esforço com os braços.
— Com a Romirda é tranquilo, o pobrema é com a atividade íntima.
— Como assim? Não foi durante o sexo que o senhor luxou o braço?
— Não, dotôra. Eu fico até avexado di contá. Eu sofro de intestino sorto. Vô ao banheiro 2 ou 3 vêis por dia. Domingo, na terceira veiz, o rolo de papel escapô da mão, eu estiquei o braço prá pegá e senti uma fisgada. Na hora de fazê a meia vorta prá completá a higiene, se a senhora me intende, e senti a fisgada. Travô tudo.
— Sei, e o senhor teve de se virar com o outro braço.
— Eu tentei, mas num tô acostumado, errei na mira, a mão inroscô na tampa do vaso e o relógio caiu lá drento. Aí eu fui levantá prá pegá, apoiei na descarga e o relógio foi imbora junto. Presente da Romirda.
— Que triste! Vamos fazer o seguinte: eu vou passar umas sessões de fisioterapia. As meninas são muito boas e vão ajudar a recuperar os movimentos do braço, mas o trabalho é lento e demora uns 3 meses para o senhor ficar 100%.
— E enquanto isso? Como eu me limpo?
— Elas vão treinar o senhor para usar a mão esquerda.
— Dotôra, agradeço, mas prefiro ir no mato, arrastá sentado na grama e despois tomá banho. É muito vexame, nessa artura da vida, as minina ter de me insina limpá as parte.
Revisão ortográfica: Anne Preste