Contos Juninos

Nesta crônica, três histórias de festas juninas envolvendo dança de quadrilha, travessia sobre a brasa e, obviamente, corrupção política.


Laerte Temple

13.06.2021

1 – Antônio

Antônio Bento era ruivo, com sardas e espinhas, e alvo constante de bullying, notadamente de Rubão, o galã da escola. Dona Zulmira, professora de artes, pegava no seu pé e frei Ignácio não dava sossego na aula de religião. No último ano do colégio, sua classe foi escalada para dançar quadrilha. Antônio, agora um belo e forte rapaz, quis ser o noivo quando soube que a noiva era Martinha, mas a dona Zulmira, escolheu Rubão para noivo e Antônio para padre. Casar Martinha com o Rubão era um grande castigo para ele e para piorar, o frei Ignácio lhe emprestou uma batina enorme.

Sua mãe ajeitou a batina e o amigo Zeca, alterou a fala do padre no script. No dia da festa, Antônio segurava um frasco de bebida que Rubão lhe tomou. Leu o rótulo “Scotch Whisky”, bebeu tudo e disse que era bebida para macho. Martinha e outras meninas não gostaram da grosseria.

Na hora do casamento, diante de pais e alunos, o “padre” Antônio perguntou se o noivo aceitava Martinha como esposa e renunciava às práticas homossexuais. Plateia e noiva caíram na gargalhada. Rubão quis reagir, mas Zeca, o “pai da noiva”, apontou a espingarda que “acidentalmente” disparou um jato de mostarda. Terminada a dança, Rubão partiu para cima de Antônio.

— Você acabou de comprar uma briga.

— Relaxa Rubão. É festa! Que tal disputar a noiva no pau de sebo?

Rubão topou o desafio e disse que subiria primeiro. O começo foi fácil, mas quando precisou fazer força, quase no topo, a calça branca de Rubão tingiu-se de marrom, a mesma cor da pasta que escorria pela sua perna. Delírio geral e muitas gargalhadas. Rubão caiu sentado e foi embora para se lavar. Martinha riu muito e disse a Antônio: mandou bem amigo. Adorei!

Todos foram beber quentão e Zeca, sem querer querendo, tropeçou e derrubou a cortina no fundo da barraca, revelando o namoro escondido de dona Zulmira e frei Ignácio. Muita zoação da galera. Fim de festa.

A caminho de casa, de mãos dadas com a garota, Antônio relembrava a noite memorável. Conseguiu namorar Martinha e vingou-se de três desafetos. Só falta agradecer o Zeca e livrar-se do frasco de whisky com laxante.


2 – Seu Joãozinho

Na véspera de São João, o ponto alto da festa junina de Cucuí de Las Palomas era andar sobre o tapete de brasa. Seu Joãozinho limpou o terreno e certificou-se que só havia lenha e nada que pudesse machucar. Após as orações, ele puxaria a travessia sobre a brasa.

Superstição para alguns, fé para outros, a travessia intrigava Albino “pé de cana”, que pensava que aquilo era truque. Naquele ano, ele e alguns amigos resolveram andar na brasa. Seu Joãozinho disse que não era para pecadores. Albino bebia tanto que era capaz de atiçar o fogo quando passasse sobre a brasa. Ofendido, “pé de cana” disse que iria logo atrás de Joãozinho.

Terminada a reza, seu Joãozinho iniciou a travessia seguido por Albino e amigos. Vencido o obstáculo, ele disse que não era pior que ninguém. Seu Joãozinho cumprimentou Albino no exato momento em que os traques que ele e amigos derrubaram na brasa começaram a estourar. Pânico, correria, gritos, tombos e pés queimados. Fim de festa.

No ano seguinte, poucos fiéis aderiram à travessia, mesmo com a garantia de que tudo estava bem e que Albino, e os amigos ficariam na sacristia lendo a bíblia e vigiados por um guarda. A festa de São João em Cucuí de Las Palomas nunca mais foi a mesma. E o prefeito proibiu os traques.


3 – São Pedro de Currais Novos

A festa São Pedro encerra os festejos juninos no aniversário de São Pedro de Currais Novos, vilarejo há mais de 40 anos, dominado com mão de ferro e bolsos cheios, pela família Bastos Curral. O atual prefeito e candidato à reeleição, Gumercindo Bastos Curral, o Gugu, programou para a data a inauguração do imponente TMC (Tanque Municipal de Compostagem).

Após a licitação que teve a desqualificação de todos, exceto a empresa de um parente, o tanque superfaturado ficou pronto, no terreno vizinho à igreja, escolhido a dedo pelo prefeito que é ateu e inimigo do vigário. Para inaugurar, armaram um palanque de madeira sobre a fina laje que tampa o tanque, já cheio e operando para testes. Para não concorrer com a quermesse, o prefeito mandou desligar a energia. Um gerador alugado da empresa de seu irmão garantiu luz e som para o evento.

Políticos e correligionários lotavam o palanque, com mais gente que a plateia. Na rua, o cônego Pedro conversava com Cido Vilela, dono do jornal local e crítico do prefeito. Cido estava com seu filho André, de cinco anos.

— Pai, o que é compostagem?

— É o tratamento de lixo orgânico e esterco para virar adubo.

— Esterco?

— É filho, esterco. Cocô. O esterco é colocado no tanque que fica embaixo do palanque e depois de um tempo vira adubo para a planta.

De olho nos votos católicos, o prefeito convidou o cônego a benzer a obra. Mandou entregar o microfone ao padre Pedro, que pediu para o menino segurar enquanto pegava a bíblia.

Um carro estacionado na ladeira e com breque de mão mal acionado começou a se mover, ganhou velocidade e se chocou contra o palanque que desabou e rompeu a laje. Todos caíram no tanque com esterco. A plateia assistiu calada, mas riu quando André, com o microfone na mão, disse:

— Olha pai, misturou tudo. Como vão separar os políticos do esterco?

A quermesse foi a mais animada dos últimos anos. E viva São Pedro!


Revisão ortográfica: Anne Preste


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