Nas famílias numerosas, a confusão nas festas de fim de ano é regra. Onde será a ceia? Quem leva o quê? Vai ter amigo secreto? Se eu tirar fulano vou querer trocar. Se for igual ao ano passado, prefiro tratamento de canal sem anestesia. Pode vir de bermudas e Havaianas? E por aí vai.
Crianças fazem barulho, cansam e dormem. Os adolescentes estão sempre emburrados e a coisa piora se ganham cuecas ou meias. Os jovens são indecisos, as mães tentam agradar as namoradas e os pais ficam de olho nos safados. Comida é sempre problema: dietas, vegetarianos, veganos, alergias, é difícil agradar a todos. Os bebuns divertem no começo, mas depois incomodam. Quem criar um aplicativo para organizar essa zona vai enricar.
Na família Souza, as gêmeas Marilena e Maria Helena, mais Marilene, casada com Mário Heleno Júnior (haja imaginação), discutem a ceia de Natal. Em qual casa? Que horas? Segregar os não vacinados? Lugares à mesa por time de futebol? Por preferência política? Após horas de conversa, definiram o cardápio (o de sempre), horários e amigo secreto. O pai, enérgico e moralista, decidirá eventuais perrengues do sorteio do amigo secreto. Todos conhecem a fera e ninguém ousará reclamar. Tudo na santa paz.
Dia 24, 8 da noite, o pessoal começou a chegar. Uns na casa de Maria Helena, outros na de Marilena. Culpa do seu pai, disse Jorge, marido de Marilena. Não podia ter escolhido outros nomes? O irmão George, marido de Maria Helena, concordou. Após alguns telefonemas, todos foram para a casa de Mário Heleno e Helena Maria, pais das gêmeas e de Mário Heleno Júnior.
Na hora dos presentes, as gêmeas se indignam. Ganharam dos maridos lingerie sensual de uma conhecida sex shop, no tamanho P. Os irmãos Jorge e George disseram que era brincadeira e que a loja atrasou a entrega, mas prometeu resolver tudo até o dia 26. Mário Heleno Júnior riu e brincou com as manas plus size. Tamanho P? Vai sonhando. Não entra nem com calçador. KK
— Se olha no espelho, Júnior. No grande, se não sua barriga não cabe.
— Desculpe, fofinhas. Acho que os cunhados estão tentando dizer algo. Deviam ter presenteado vocês com planos de academia, K K K.
Marinho Neto, 4 anos, filho de Júnior, apontou para a janela e gritou:
— Olha lá na rua! Três Papai Noel! Tão vindo aqui!
Eram Nóia, motoboy do iFood, chapado e perdido, calça jeans, gorro vermelho e jaqueta de Papai Noel; Charlene e Charlote, da Boate Jingle Bell, com gorro e jaqueta de Papai Noel até metade da coxa, talvez calcinha e mais nada. Charlene carregava uma gaiola coberta por um veludo verde.
— Oiê! Vimos o Jó e o Gê e entramos. Vocês precisam trocar nossos presentes. São tamanho GG, enormes. Tão chamando a gente de gorda? K K K. Nosso manequim é P. O que tem pra comer?
Helena Maria, sem o aparelho auditivo, serviu canapés e bebida às visitas. O ambiente ficou tenso: bate-boca geral, perguntas, acusações e explicações sem pé ou cabeça. Mário pai e Mário Júnior foram para perto de Mário Neto, curioso para saber o que tinha debaixo do pano verde.
De repente, muita fumaça e cheiro de queimado invadiram a sala. As gêmeas foram até a cozinha e encontraram o peru torrado. Perda total. A ceia teria apenas maionese, arroz e farofa. E a fome era grande.
Nóia foi até sua moto e voltou com um peru assado, lasanha e outros pratos que não se lembrava onde devia ter entregue. A paz voltou a reinar, ao menos durante a oração e a ceia, graças ao motoboy e a fome. Os três Mários sentaram na ponta da enorme mesa, longe de Charlene e Charlote.
— O que tem ali? – perguntou Mário Neto apontando para a gaiola.
— É a Leninha, nossa papagaia – respondeu Charlene. Está dormindo.
O menino retirou o veludo, Leninha acordou, olhou ao redor e disse:
— Grande Marião! Fala Juninho! Vocês por aqui? Feliz Natal.
Voou farofa, lasanha, peru e tapa pra todo lado. Charlene e Charlote pegaram a Leninha e saíram jogando beijos e dizendo: Feliz Natal, rapazes.
Apareçam! Os Souza decidiram que na próxima ceia de Natal, cada um fica em sua casa. E nada de dar roupas de presente.
Revisão ortográfica: Leilaine Nogueira