Apagão geral no quarteirão. O síndico afixou avisos no elevador dizendo que a energia seria cortada das 8h às 18h, mas ninguém deu bola. Seu Astolfo tomava o café da manhã na cozinha quando o neto, Leozinho, chegou de cara amarrada. Aluno aplicado da caríssima e conceituada Modern Digital School, onde tudo é digital, virtual, on-line, real time, computação em nuvem, etc., ele não conseguia acessar nada.
— Bom dia Leozinho. Que cara é essa?
— Vô, celular e tablet apagaram. Eu ligo na tomada, mas não carrega.
— Estamos sem energia, meu caro. Esqueça o celular, tome seu café da manhã e leia um livro.
— Mas como vou ler, vô? O Kindle também está descarregado. Não consigo acessar nada!
— Vá na minha estante e pegue um livro e leia! Não precisa de energia.
— Quero mandar mensagem para a Pri, mas não posso sem a energia?
— Quem é Pri?
— Uma garota da van escolar. Mora naquele prédio novo aqui perto. Sempre trocamos mensagens, mas agora como é que eu faço?
— Por que você não escreve para ela? Convide para tomar sorvete, conversar. Acredite, conversar pessoalmente é bem melhor.
— Vô, não tem energia e a bateria pifou. Como vou escrever?
— Escreva uma carta e ponha no correio. Chega em um ou dois dias.
— Carta? Correio? Em que universo você vive?
— Foi assim que eu e sua avó namoramos. Pega papel e eu explico.
— Vô, sem eletricidade a impressora também não imprime!
— Prá que impressora? Pegue papel e caneta e escreva à mão. Você imprime enquanto escreve. É genial!
Seu Astolfo explicou ao neto de 11 anos o que são cartas, correio, selos, etc. Ensinou pontos básicos como local, data, saudação, conteúdo, despedida, assinatura, RSVP, como endereçar o envelope etc. O neto achou tudo “cringe” (burocrático, corrigiu o avô). Impossível deletar, copiar, colar, negritar. Na falta de opção, acabou cedendo e escreveu. Em meia hora a carta estava pronta.
— E agora? Envio pelo celular ou computador?
— Vamos até o correio da praça. Também preciso postar umas cartas.
No caminho, o avô explicou como funciona o correio para envio de cartas e encomendas. Disse que quando tinha a idade do neto pouca gente tinha telefone e as pessoas enviavam cartas, bilhetes, etc. Perto da agência, cruzaram com uma linda loirinha de mãos dadas com uma charmosa senhora, sorridente e muito bem vestida.
— Oi Léo! Bom te ver.
— Oi Pri. Eu ia te mandar um Zap mas a bateria morreu e lá em casa estamos sem energia. Queria te convidar para tomar sorvete e meu avô sugeriu escrever essa carta.
— Olha Priscila! Carta para você! Faz tempo que não recebo uma.
— Leozinho, não vai nos apresentar?
— Vô, essa é a Pri, minha amiga da van escolar.
— Prazer Priscila. E quem seria essa encantadora senhora?
— Sou tia avó da Priscila, Esmeralda, ao seu dispor.
— Léo, entregue a carta para ela, em mãos. Assim você não gasta o selo e ela lê na hora. Que tal vocês tomarem sorvete aqui ao lado e conversarem enquanto eu fico na fila do correio?
— Isso mesmo, querida. Tomem sorvete e conversem na mesinha da calçada, ali na sombra. Vou na rotisseria e volto logo para te buscar.
— Valeu vô. Obrigado pelas dicas. Vamos Pri?
— Leozinho, só uma coisa: vê se me descola o Insta dessa titia. Sacou?
Revisão ortográfica: Anne Preste