Avenida São João, muito prazer

por Appio Ribeiro

07.03.2020

(O importante não é o lugar, mas o que acontece nele. Cada avenida, cada rua, cada beco da cidade foi testemunha de acontecimentos que fizeram a história de muita gente. Inclusive da sua. Este é um pedaço da minha.)

Fui apresentado ao centro da cidade pela Avenida São João. Morando na Lapa fui levado pelo meu pai para conhecer o “centro da cidade”. Nos meus cinco anos, aquele passeio seria empolgante. E foi empolgante ver aquela avenida sem fim, larga, com carros, ônibus e bondes trafegando. Era tudo novo para mim: aqueles postes lindos com as três luminárias, em toda a sua extensão. Era a rua mais comprida que eu vira. E, lá no fim, um “arranha-céu”, o prédio do banco, branco, com a agulha no seu topo apontando para o céu. Foi um prazer ver aquilo. Uma parada na Praça Júlio Mesquita, que ladeia a avenida. E aí vi uma fonte enorme, com lagostas quase maiores do que eu subindo pelo mármore branco daquela construção que jorrava água e tinha a escultura de uns meninos no topo. Tenho o prazer renovado ao ver a foto que meu pai tirou de mim fazendo pose perto da lagosta.

E poder assistir a sessão Zig-Zag nos domingos pela manhã, no Cine Metro, e ver as perseguições do Tom e Jerry era riso e prazer; prazer que se renovou quando coloquei paletó e gravata para poder entrar naquele cinema: agora eu era adulto, ou melhor, quase adulto.

Cine Metro, Avenida São João, SP
Cine Comodoro, Avenida São João, SP

Eu adorava ir ao cinema. E a Avenida São João, também me deu o prazer da tecnologia no cinema: o Cine Comodoro, o primeiro Cinerama do país. Sua tela de 180 graus e o som eram espetaculares. Se você sentasse numa fileira muito à frente, tinha a sensação de estar no centro da ação, e tinha de olhar pra lá e pra cá o tempo todo. Foi um prazer ver a novidade. Mas dolorido torcicolo também.

Nos anos 60 a novidade no entretenimento era o boliche. Saía do curso Clássico do Colégio Oswaldo Cruz ia com meus amigos à Avenida São João, ali perto do Cinerama para ouvir o estouro da bola nos pinos e gritar “strike!”. Jogar boliche era o maior prazer.

Mas a Avenida São João me deu mais prazeres. Eu tinha um colega de trabalho que morava na Avenida São João. Um dia ele fez aniversário, e convidou os amigos para irem comemorar na casa dele. Como era de hábito, era “bailinho”. E na tarde de 17 de fevereiro de 1963 lá vou eu pra casa do Veiga. Av. São João, 1410 (acho que era esse o número). O Sr. Veiga, seu pai, muito atencioso e cordial, me recebe. Já havia chegado vários amigos e amigas. Numa vitrola, tocavam os “LPs“ com os sucessos do momento. Alguns batiam papo, outros dançavam. Aí, eu vi uma moça linda, a mais linda que eu já vira. Era a amiga de uma amiga. Cabelos presos, saia bege, blusa azul-marinho de ráfia, sapato azul-marinho de salto alto, elegante e discreta. Fui à sacada. Minha amiga me apresentou. Primeira troca de palavras: “Você é paulista?”- “Sim, sou, por quê?”, “O jeito de falar, parece sotaque”, “Ah, eu não sei, não percebo”, “claro, a gente não percebe o próprio jeito”... Na vitrola, tocam acordes característicos e Nat King Cole, começa: “aquellos ojos verdes...”. “Ah, eu adoro esta música... vamos dançar?” Fui.

E esse foi o maior prazer de toda a minha vida, dado por essa Avenida São João.

Casei-me com ela e dancei por 52 anos ininterruptos. Até que um dia Deus a tirou para dançar.

Avenida São João: foi um prazer conhecê-la. E muito obrigado.


Imagens:. Foto da Avenida São João: Wikipedia. Fotos dos cines Metro e Comodoro: disponíveis na Internet