Vitória Régia/Canal do Jari (Crédito: Elton Charles)
O Canal do Jari, um dos cenários mais exóticos e encantadores da região Noroeste de Santarém, é um canal fluvial onde as águas espessas do Rio Amazonas encontram as águas azuis do Rio Tapajós. Trata-se de um ecossistema de expressiva diversidade de fauna e flora, onde residem os ribeirinhos em suas casas de palafitas. Para chegar ao canal é necessário pegar um barco a motor em Santarém, percorrendo 23 km em 2 horas para chegar, ou sair de Alter do Chão num trajeto de 1 hora de duração. Alter do Chão é uma vila de Santarém, famosa internacionalmente por suas praias de água doce e belezas naturais, de onde muitas lanchas saem para levar os turistas em diversos passeios para admirar uma infinidade de pássaros, jacarés, preguiças, iguanas, papagaios, botos e macacos e, também, se encantar com os jardins aquáticos de vitórias-régias.
Macaquinho do Canal do Jari (Crédito: Elton Charles)
As populações ribeirinhas que lá habitam, vieram de vários lugares do país para a região. Há grupos de indígenas, de nordestinos e outros migrantes. Essas comunidades vivem, principalmente, da pesca, da agricultura e da venda de artesanatos. Suas casas são construídas em madeira, no sistema de palafitas, para se protegerem das enchentes na época das cheias dos rios. A época das cheias é de fevereiro a agosto, período em que toda a região fica inundada e a circulação, mesmo nas proximidades, só é possível de barco ou canoa. É o período em que a natureza local se apresenta mais exuberante e é quando os criadores de gado precisam ir à busca de locais com grama para alimentá-los. A época da seca vai de setembro a janeiro. Mas nem só de pesca e artesanato vivem os ribeirinhos. Muitas famílias do Jari abrem suas portas para o Ecoturismo, que é apresentado no site Ambiente Brasil, como “um segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, promovendo o bem estar das populações envolvidas”.
Conversei com a ribeirinha da Comunidade do Alto Jari, Marina Conceição Gama, de 26 anos, que vive e trabalha com os pais dedicando-se ao Ecoturismo o ano todo. Eles têm um ponto de visita com as vitórias-régias , e recebem de 100 a 150 visitantes por semana. Na época da seca seu pai produz e comercializa queijo em Santarém, e também pratica o comércio da pesca. Durante o auge da pandemia em 2020 e começo de 2021, a família de Marina precisou depender do auxílio emergencial, já que as atividades turísticas pararam. Segundo ela, “o bom, foi que, por estarmos afastados da cidade, ninguém se infectou com o vírus”.
A ribeirinha Marina Conceição no Alto do Jari (Crédito: Marina Conceição)
Marina destacou os prós e contras de morar no Jari. Ela gosta da tranquilidade, por não ter muitos gastos, pois não pagam aluguel, nem água e energia. “O ruim é que no verão, no período da seca, a gente sofre muito com a falta d’água e, também, quando precisamos comprar qualquer coisa precisamos ir à cidade. Em questão de saúde, também é um pouco complicado porque não temos hospitais aqui perto e nem posto de saúde 24 horas. Temos que ir para Santarém. Isso é bem difícil”. Sobre as lendas da Amazônia, como a do “Boto- cor-de-rosa” , Marina disse que não duvida e que, sua mãe a aconselha a não chegar na beira do rio quando está menstruada, para que o boto não a engravide, e ela obedece. Sobre o lixo que produzem na casa, a parte de lixo orgânico é tratada para fazer adubo, uma parte é queimada e os recicláveis são levados para Santarém, onde são vendidos. Marina se considera uma defensora do meio ambiente, pelo cuidado que tem com as vitórias-régias.
Ponto de visita de vitórias-régias (Crédito: Marina Conceição)
O casal Edeval dos Santos e Maria Rosângela de Siqueira Pinto moram e trabalham com o Ecoturismo no Canal do Jari. Para complementar a renda e para o consumo próprio, os dois, além de pescar, criam galinhas, porcos e gado. No período da pandemia, eles contam que passaram por grandes dificuldades, “nós estávamos em construção da casa, com poucos recursos financeiros. Nós adoecemos com o vírus e precisamos ir para Santarém para o tratamento. A casa ficou fechada por uns 7 meses, sem recebermos ninguém, pelo pânico da doença. Agora estamos bem e aos poucos estamos voltando ao normal. Sabemos que o mundo todo “dançou a mesma música”, ou seja, todos foram afetados”. Edeval explica que na época da pandemia ficou muito triste com o governo, pois sua família não recebeu nenhuma ajuda e se não tivesse algum recurso, teriam passado fome e outras necessidades. “Nós não conseguimos receber nenhum auxílio, nem do governo federal, estadual ou municipal. Tinha que fazer o cadastro pela internet e no site constava que alguém da nossa família já havia recebido — o que não era verdade. Rosângela é uma Micro Empreendedor Individual-MEI de turismo e tentou fazer um empréstimo, mas também não conseguiu nada”. Ele explica que o que ajudou foi ter recebido do governo um valor, por quatro meses, no “período de defesa” quando não podem pescar, para proteger as espécies que estão em extinção. Isso só foi possível porque ele é sócio de uma colônia de pescadores. Rosângela explica que, geralmente, quando estão doentes, recorrem às ervas que eles próprios cultivam e mel. De acordo com ela, muitas pessoas no Jari criam abelhas sem ferrão para consumir o mel ou para vender.
Residência de Edeval dos Santos e Maria Rosângela/período da cheia. (Crédito: Edeval dos Santos)
Residência de Edeval dos Santos e Maria Rosângela/período da vazante. (Crédito: Edeval dos Santos)
Sobre os prós e contras de morar no Jari, Rosângela menciona que tem medo do inverno, a época das cheias: “Eu tenho medo das ondas muito fortes batendo aqui na casa e das tempestades violentas que vêm. Se eu pudesse sairia daqui em abril, maio e junho. Julho já voltava. Aí seria tudo maravilhoso”. Edeval respondeu o mesmo que Rosângela sobre os receios no período de cheia. Durante a seca, ele acha difícil buscar água para usar na casa e a dificuldade para fazer compras em Santarém. De bom ele considera “a fartura que tem no canal, como os peixes, as nossas criações de galinha, porco e a hora que a gente quer comer uma carne a gente pega, mata e come…essas são as coisas boas que nós temos aqui”. Sobre o que ele e Rosângela sentem falta a resposta foi: “Não sentimos falta de muita coisa, não. Aqui temos energia solar, temos TV, a internet não é tão boa, mas funciona. Estamos bem próximos de Santarém. Viver aqui é bom. Eu gosto de morar aqui”. Sobre as lendas amazônicas como a do “Boto-cor-de-rosa”, Edeval disse que cresceu com os avós e os mais velhos contando que o boto virava gente, frequentava as festas e engravidava as moças: “Eu acredito que isso existia, sim.” — afirmou ele. Sobre os planos para o futuro, Edeval e Rosângela contam que quando chegaram lá, com sua filha caçula ainda bem pequena, só tinham algumas poucas coisas que cabiam em duas bolsas. Aos poucos, com muito trabalho e com muito sacrifício, foram melhorando. Seus planos para o futuro é melhorar cada vez mais, principalmente a casa para receber os turistas. A filha deles, Eloise Emanuelle, agora com 19 anos, já terminou o estudo básico e quer seguir uma faculdade. Sobre a necessidade de preservar o meio ambiente, Edeval diz que “nós temos a obrigação de preservar o meio ambiente em tudo, para que nossos filhos, netos e bisnetos possam ver o que a gente tá vendo hoje”.
Foto de Edeval e Rosângela (crédito: acervo pessoal do casal)
Saiba mais:
Contato: Elton Charles — Cel.: (93) 99147-5723 Facebook | Instagram