Profa. Dra. Nathalia Bernardes
Docente e pesquisadora do Laboratório do Movimento Humano
25.10.2021O Transtorno do Espectro Autista (TEA) consiste em déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos (APA, 2014). A Organização Mundial da Saúde, calcula que o TEA afeta 1 em cada 160 crianças no mundo (WHO, 2014).
As características comportamentais do TEA são evidentes na primeira infância, apresentando falta de interesse em interações sociais no primeiro ano de vida. Os primeiros sintomas frequentemente envolvem atraso no desenvolvimento da linguagem, acompanhado por ausência de interesse social ou interações sociais incomuns e padrões atípicos de brincadeiras. Durante o segundo ano, comportamentos atípicos, repetitivos e a ausência de brincadeiras típicas são mais evidentes (APA, 2014).
São considerados 4 critérios para diagnóstico do TEA. As características são prejuízo persistente na comunicação social e na interação social (Critério A); padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades (Critério B); esses sintomas estão presentes desde o início da infância e limitam ou prejudicam o funcionamento diário (Critérios C e D) (APA, 2014).
A classificação é feita pelo nível de gravidade do transtorno, através do apoio necessário à pessoa com TEA (APA, 2014). A deficiência intelectual está presente em 70% da população com TEA. 29,3% apresentam deficiência leve/moderada e 38,5% deficiência severa/profunda (SCHWARTZMAN, 2011).
O TEA não é um transtorno degenerativo, a aprendizagem e compensação ocorrem ao longo da vida. Os sintomas são mais acentuados na primeira infância e nos primeiros anos da vida escolar, com ganhos no desenvolvimento no final da infância. Poucos indivíduos apresentam piora comportamental na adolescência. Na fase adulta, poucos vivem e trabalham de maneira independente, os que conseguem apresentam linguagem e capacidade intelectual superiores (SCHWARTZMAN, 2011).
A reatividade aos estímulos sensoriais pode ser observada nas pessoas com TEA. A modulação sensorial é a maneira pela qual o cérebro percebe cada um dos estímulos internos ou externos. As alterações de modulação sensorial estão frequentemente relacionadas ao desenvolvimento das habilidades sociais, incluindo a comunicação social (ROBERTSON & SIMMONS, 2013). Assim, é importante o manejo das alterações sensoriais na pessoa com TEA.
O tratamento precoce é a melhor indicação, pois o desenvolvimento do ser humano, possui janelas de oportunidades que possibilitam um ganho mais efetivo, decorrente de fatores como a plasticidade neuronal e outros. O diagnóstico ocorre a partir dos 3 anos, mas medidas terapêuticas devem ser tomadas quando observadas alterações marcantes pela equipe multidisciplinar (COSTA, 2014). Assim a intervenção precoce, bem como a intervenção para adolescentes e adultos deve ter como objetivo resultados a curto prazo na vida diária e a longo prazo na qualidade de vida (ROBERTSON & SIMMONS, 2013).
É importante compreender que a pessoa com TEA apresenta dificuldade para interpretar os códigos de linguagem e expressões. E isso gera grande prejuízo na inclusão dessa pessoa, pois afeta de maneira importante a comunicação e consequentemente a interação social.
Outro aspecto que precisamos considerar, são as características motoras dessa população. A pessoa com TEA frequentemente apresenta pouca habilidade motora, em decorrência de poucos estímulos na primeira e segunda infância.
Assim, é consenso os benefícios de uma intervenção adequada do professor/profissional de Educação Física no TEA, através de propostas baseadas em atividades sistematizadas e variadas, que enfatizam as habilidades e padrões motores fundamentais, jogos e esportes individuais além de, atividades de desenvolvimento para melhora da condição física.
Tarefas motoras como saltos, corridas, equilíbrio, coordenação dinâmica geral, deslocamentos, lançamentos e outros são positivas. Atividades psicomotoras de lateralidade, esquema corporal e orientação temporal devem ser consideradas no programa para TEA (ALVES, 2014).
As atividades por estações são uma opção. A utilização de cartazes para indicar cada estação, bem como a descrição, imagem do exercício, fornece aos alunos uma representação visual clara. Essas representações podem estar em cones, em placas, nos equipamentos, paredes ou no chão através de setas ou pegadas para os alunos acompanharem durante todo o percurso. Os números podem ser utilizados para ilustrar a quantidade de tempo necessário em cada estação ou a ordem das estações no percurso. Os comandos podem ser usados para designar áreas como início, término ou descanso.
A musicoterapia improvisacional, é uma forma de tratamento utilizada para a população com TEA. Através de técnicas da improvisação musical clínica, desenvolve e estimula vínculo, expressão e musicalidade (BOATO, 2013; FREIRE & PARIZZI, 2015). Assim como o game assistivo, que é uma possibilidade na construção de narrativas para o TEA, com cuidados técnicos e pedagógicos fundamentados em estudos sobre a interação humano-computador, o design de games e as tecnologias assistivas, podem impactar a experiência de uso e a aprendizagem de crianças e jovens com os mais variados perfis de TEA (MOITA et al., 2017).
De fato, a prática de exercícios físicos regulares influência no comportamento motor, social e afetivo da pessoa com TEA, que geralmente são sedentários (JONES et al., 2017). Todavia, é importante que os estímulos respeitem a individualidade biológica, emocional e social da pessoa com TEA (FESSIA et al., 2018).
Existem alguns facilitadores para a realização de atividades físicas no TEA, são: motivação intrapessoal, participação em pares, apoio familiar, acompanhamento da comunidade e professores treinados. A promoção das habilidades motoras, socialização, afetividade, autonomia, contato corporal, controle corporal e o estabelecimento de laços, a comunicação, fora e dentro do grupo familiar, a independência, a autonomia em tarefas diárias e em alguns casos, até a diminuição da dosagem de medicação, são possíveis através de uma atuação adequada do professor/profissional de Educação Física (PAN et al., 2017).
Esse conjunto de mudanças e manifestações decorrente das atividades propostas pelo professor/profissional de Educação Física, torna possível a melhora da vida social e familiar da pessoa com TEA.
É papel do professor/profissional de Educação Física:
Identificar os interesses e motivações do aluno para incorporá-los nas atividades;
Identificar quais os sistemas sensoriais que são mais desafiadores e quais apresentam potencialidades. Para desenvolver estratégias que acessam as áreas com dificuldades devemos considerar os sistemas sensoriais que são os pontos fortes;
Construir sistemas de suporte que forneçam segurança, confiabilidade, previsibilidade e compreensão, sendo este o sistema que possibilita ao aluno identificar os desafios a enfrentar nos demais sistemas.
Buscar formação específica e trabalhar em conjunto com equipe multidisciplinar.
Concluindo, fica evidente a importância do professor/profissional de Educação Física no estímulo da pessoa com TEA, respeitando as características individuais, bem como o ritmo do desenvolvimento.
É necessário estimular competências concretas, através de atividades que se tornem aplicáveis no cotidiano da pessoa com TEA.
Os exercícios físicos orientados potencializam as ações e tarefas motoras, proporcionando um melhor desenvolvimento das habilidades motoras.
Somado a isso, diferentes manifestações corporais podem ser benéficas para o desempenho motor e para o desenvolvimento integral da pessoa com TEA, podendo potencializar a vida cotidiana, melhorando a qualidade de vida.
Dessa forma, a prática de atividade física deve fazer parte do cotidiano da pessoa com TEA. Pois auxilia no desenvolvimento físico, cognitivo, afetivo, psíquico e social, contribuindo na redução de preconceitos na sociedade.
Referências consultadas:
ALVES, F.R.F. Desafios e mudanças: Uma proposta de programa de exercícios físicos para crianças com transtorno do espectro do autismo (TEA). Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 2014.
APA-AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-5. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Porto Alegre: ARTMED. 5. ed. 2014.
BOATO, E.M. Metodologia de abordagem corporal para autistas. Tese (Doutorado em Educação Física). Universidade Católica de Brasília: Brasília, 2013.
COSTA, D.C.F. Intervenção Precoce no Transtorno do Espectro do Autismo. Dissertação apresentada à Escola Superior de Educação João de Deus. 2014.
FESSIA, G., MANNI, D., CONTINI, L., ASTORINO, F. Strategies of planned physical activity in autism: systematic review. Rev Salud Publica (Bogota). 20(3): 390-395. 2018.
FREIRE, M.H., PARIZZI, M.B. As relações dos efeitos terapêuticos da Musicoterapia Improvisacional e o desenvolvimento musical de crianças com autismo. Revista Nupeart. v.14, 2015.
JONES R.A.; DOWNING, K.; RINEHART, N.J.; BARNETT, L.M.; MAY, T.; MCGILLIVRAY, J.A.; PAPADOPOULOS, N.V.; SKOUTERIS, H.; TIMPERIO, A.; HINKLEY, T. Physical activity, sedentary behavior and their correlates in children with Autism Spectrum Disorder: A systematic review. PLoS One. 28;12(2):e0172482. 2017.
MOITA, F.M.G.S.C., VIANA, L.H., MEDEIROS, F.M., CANDIDO, V.M.A. Design e desenvolvimento de um game assistivo para autistas. Anais do XXVIII Simpósio Brasileiro de Informática na Educação, 2017.
PAN, C.Y., CHU, C.H., TSAI, C.L., SUNG, M.C., HUANG, C.Y., MA, W.Y. The impacts of physical activity intervention on physical and cognitive outcomes in children with autism spectrum disorder. Autism. Feb;21(2):190-202. 2017.
ROBERTSON, A.E., SIMMONS, D.R. The relationship between sensory sensitivity and autistic traits in the general population. Journal of Autism and Developmental Disorders, 43(4), 775-784, 2013.
SCHWARTZMAN, J. S. Transtornos do Espectro do Autismo: Conceito e generalidades In: SCHWARTZMAN & ARAÚJO, C. A. de (orgs.). Transtornos do Espectro do Autismo. São Paulo: Mennon. p 37-42. 2011.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. SIXTY-SEVENTH WORLD HEALTH ASSEMBLY. Comprehensive and coordinated efforts for the management of autism spectrum disorders. Geneva, 2014.
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Revisão ortográfica: Leilaine Nogueira