Obesidade e Covid-19: o encontro entre as pandemias

A pandemia da Covid-19 é o maior desafio dos sistemas de saúde para os pesquisadores no mundo inteiro sem precedentes nos últimos 100 anos.


Sonia Okita

23.07.2021
Imagem disponivel na internet

A obesidade é um fator de risco para o agravamento da doença e por este motivo diversas publicações científicas tem chamado a atenção para este importante tema. Junto com fatores como pacientes idosos e com comorbidades crônicas como hipertensão, diabetes, doenças autoimunes e câncer, a obesidade também faz parte de um prognóstico negativo entre os acometidos pela Covid-19¹.

Há 30 anos, no mínimo, nota-se um crescimento de uma outra pandemia: a da obesidade

Considerada uma doença crônica inflamatória, causada por aumento de gordura corporal, a obesidade é indicativa de problemas cardíacos, acúmulo de gordura no fígado, nos vasos sanguíneos, predisposição a infarto e derrame cerebral, além da dificuldade de locomoção, dores musculares e de articulação, e danos à autoimagem.

Já atinge cerca de 650 milhões de pessoas no mundo². Pelos cálculos da Organização Mundial de Saúde (OMS) o consumo crescente e contínuo de alimentos industrializados e ultra processados com excesso de açúcar refinado, sal, farinha branca, frituras, alto teor de gordura hidrogenada, aliados ao sedentarismo, falta de exercícios físicos regulares, e a facilidade de acesso a estes alimentos, são as causas primordiais para o aumento de peso nocivo³.

Imagem: paulista.pe/gov.br

A Associação Brasileira de Nutrição considera que as pessoas são livres para escolher o que comer, e “por mais que a indústria queira induzir a tentar as pessoas, elas sabem que tudo isso não é muito saudável, e que ninguém as obriga a comer”, porque a maior parte das escolhas não são muito racionais, explica o doutor Miguel Ángel Marinez Gonsalez, da Universidade de Navarra. As porções grandes e baratas estão fartamente à disposição nos supermercados, um modelo americano sobre alimentação: comidas de consumo rápido e baixo custo, ricos em carboidratos, sal, aditivos químicos flavorizantes e principalmente gordura hidrogenada (ou gordura trans. que aumenta a durabilidade do alimento, acentua o sabor, não é um produto natural, e com efeito cumulativo extremamente nocivo).

Para o doutor Miguel Gonsalez, é preciso tornar o alimento saudável mais acessível, como estratégia de saúde pública, e informar e proteger contra más escolhas impensadas. “Isso é o que eu ensino em medicina preventiva”, diz.

O economista Richard Thaler, especialista em psicologia da tomada de decisões, explica que as pessoas costumam optar pelas decisões mais fáceis, existem indústrias que produzem alimentos que impulsionam o consumismo impensado, tornando o produto atraente seja pela embalagem, quantidade, aspecto, baixo preço, promoções, etc..4. O conceito de “paternalismo libertário” deve agir no sentido de dar liberdade de escolha, mas que seja orientada no âmbito das políticas públicas a ser racional e menos prejudicial à saúde.

O consumo de alimentos in natura deve ser incentivado pelas políticas públicas para prevenção de doenças

Sobrepeso e obesidade: qual a diferença

Para melhor definir, o cálculo padronizado para diferenciar sobrepeso e obesidade é dado pela fórmula matemática que calcula o Índice de Massa Corporal (IMC), que utiliza os dados de peso e altura, como explica a nutricionista Lia Buschinelli.

O IMC é dado pela divisão do peso (em quilos) pelo quadrado da altura (em metros). A partir do resultado deste cálculo pode-se classificar o indivíduo segundo os quadros abaixo:

Quadro 1.

Classificação do IMC para indivíduos entre 19 e 60 anos de idade (OMS, 2003).

Quadro 2.

Classificação do IMC para indivíduos com mais de 60 anos de idade (OPAS, 2001).

IMC acima de 40 é considerado obesidade mórbida com risco de morte, e em casos extremos existem cirurgias bariátricas de diferentes tipos.

Nem sempre o sobrepeso implica em excesso de gordura. O sobrepeso indica que o indivíduo pode estar acima do peso, porém, não ter gordura em excesso. Um atleta que pratica musculação pode estar acima do peso ideal, mas é devido à massa muscular (massa magra) com pouca gordura corporal. Em geral indivíduos com sobrepeso e obesidade possuem excesso de gordura corporal, inclusive com gordura acumulada na região abdominal, envolvendo os órgãos internos, o que é considerado um risco grave à saúde.

Para pessoas com menos de 19 anos, a OMS preconiza o uso de gráficos específicos de acordo com a idade para checagem do IMC, já que cada etapa do desenvolvimento de crianças e adolescentes tem uma característica específica. Os quadros acima não devem ser usados para classificar o IMC de indivíduos nessa faixa etária.

A obesidade é genética?

Pode ser hereditário se os hábitos de consumo passam de pais para filhos. Mas não explica a pandemia da obesidade atual. As crianças se acostumam a um tipo de alimento que lhes é oferecido pela família. Exemplos: as famílias asiáticas consomem muita soja, peixes e outros frutos do mar e algas, ovos, aves, carne de porco, hortaliças e legumes, frutas de regiões frias como maçãs, peras e cítricos, e tem como principal fonte de carboidratos o arroz, o açúcar de cana wasanbon (de cor amarelada por ser pouco refinado), feijão azuki e batatas. E ainda consomem pouca carne vermelha. A proporção de pessoas obesas é baixa, sendo o Japão, Coréia, China e países vizinhos, os que possuem uma dieta que proporciona baixos índices de obesidade5.

Ao contrário, nos países com dieta mediterrânea, consome-se muito leite e derivados, trigo e derivados, legumes, hortaliças e carne em conserva como embutidos. É costume beber vinho, produzido pela própria família, durante as refeições. Massas, tortas e bolos compõem fontes de açúcar, além de cereais. Nestes países, como França e Itália, os índices de obesidade tem aumentado nas grandes cidades, provavelmente devido à adesão da dieta americana entre os jovens, mudanças no estilo de vida e aumento de produtos derivados de carnes 6.

Dizer que uma pessoa é obesa por escolha própria não é totalmente verdadeiro.

Numa pesquisa científica conduzida por estudiosos da Universidade Harvard em parceria com o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) publicado no New England Journal of Medicine, em agosto de 2015, descobriu-se um gene ligado à obesidade7.

Desde 2007, já se conhecia o gene FTO relacionado à obesidade, mas a função ainda era um grande mistério. Agora sabe-se que este gene é responsável por armazenar energia em forma de gordura. A pesquisa liderada pela geneticista Melina Claussnitzer, do Centro Médico de Israel Deaconess, afiliado à Universidade Harvard, revelou a genética de um mecanismo de obesidade inédito, afirmando que “muitas pessoas pensam que a epidemia da obesidade só está relacionada a excesso de comida, mas as células que armazenam gordura têm relação de como será utilizada mais tarde”, disse. Para completar, o médico Cliford Rosen, do Instituto do Centro Médico do Maine, “a pesquisa abre a possibilidade do desenvolvimento de drogas que modifiquem o trabalho destas células de gordura”, afirmou.

Obesidade e políticas públicas: as estratégias do governo brasileiro

Imagem: agenciabrasilebc.com.br

Em março de 2021, Socorro Gross, representante da Organização Panamericana de Saúde (OPAS) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) no Brasil, representou a necessidade de uma ação conjunta para acabar com o estigma da obesidade e contribuir para prevenir e tratar esta condição nas Américas. Em seu pronunciamento enfatizou que é preciso uma união de todos para um futuro saudável e digno e atender as pessoas que se encontram em situação de discriminação sob o tema “Estigma da obesidade: um desafio para a prevenção e controle”, organizado pela OPAS.

Para Gross, as Américas são a região do mundo com maior taxa de obesidade, sendo que dois países da região tem as maiores taxas de obesidade infantil do globo.

Para tal, a OPAS e a OMS têm priorizado uma agenda para “prevenir outras doenças crônicas decorrentes da obesidade, que é um fator de risco junto ao tabagismo e sedentarismo. Além disso, enfatizou que as Américas são a região do mundo com mais sedentarismo e Gross lembrou que as pessoas estão mais propensas a complicações mais graves da Covid-19.

A seguir foram listadas as principais ações:

  • Aprimorar o cuidado das pessoas com obesidade na atenção primária à saúde;

  • Fortalecer o código internacional de comercialização de substitutos do leite materno;

  • Implementar impostos sobre bebidas açucaradas;

  • Ampliar as compras públicas de alimentos saudáveis;

  • Implementar a rotulagem nutricional frontal; e

  • Fortalecer o programa de alimentação escolar e a restrição da venda de alimentos e bebidas ultra processadas em escolas.

O webnar contou com palestras de Juliana Rezende, diretora de Promoção da Saúde do Ministério da Saúde; Gisele Bortolini, coordenadora geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde; Olivia Barata Cavalcanti, diretora de Ciência e Educação da Federação Mundial de Obesidade; Erika Cardoso dos Reis, docente da Universidade Federal de Ouro Preto (MG); e Luisete Bandeira, consultora nacional em nutrição e atividade física da OPAS/OMS no Brasil. A moderação foi feita por Jonas Silveira, professor adjunto do Departamento de Nutrição na Universidade Federal do Paraná.

O panorama mundial da obesidade

A porcentagem da obesidade e do sobrepeso triplicou desde 1975, e aumentou em quase cinco vezes entre crianças e adolescentes, e afetou todos os grupos sociais no mundo. Segundo a OMS, nas Américas a alta da prevalência é a mais alta com 62,5% dos adultos com sobrepeso ou obesidade (64,1% dos homens e 60,9% das mulheres), sendo que a obesidade afeta 28% da população adulta (dados de março 2021). Entre adolescentes e crianças, (de 5 a 19 anos), 33,6% estão com sobrepeso ou obesidade. E ainda 7,3% das crianças menores de cinco anos, de acordo com a OMS, Banco Mundial e UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância, 2019).

As escolas devem incentivar as crianças a comerem alimentos saudáveis regularmente.

Referências bibliográficas

1. Andrade FB et al. The Weight of Obesity in Immunity from Influenza to Covid-19.

Frontiers in Cellular and Infection Microbiology. 2021;11

2. Bolsoni-Lopes e outros, em Artigo de Reflexão, Revista Gaúcha de Enfermagem. Abril 2021.

3. OPAS, Consumo de alimentos ultra processados aumenta entre famílias da América Latina e Caribe. Outubro, 2019.

4. OPAS, Alimentos e bebidas ultra processados na América Latina: vendas, fontes, perfil de nutrientes e implicações. Setembro 2019.

5. Casagrande, M., alimente-se bem e viva melhor, in Armas R., Alimentos que curam, Lafonte, São Paulo, 2020.

6. ASBRAN, Dieta mediterrânea está sob ameaça alerta ONU. Junho 2015.

7. Claussnitzer, M. et al. FTO obesity variant circuitry and adipocyte browning in humans, New England Journal of Medicine, 2017, Sept.


Revisão ortográfica: Bernadete Siqueira


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