Prof. Me. Nicolas Da Costa Santos, Prof. Me. Bruno do Nascimento-Carvalho e Prof. Helloã Feliciano de Sales Martins dos Santos
Pesquisadores do Laboratório do Movimento Humano
22.11.2021Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2016 cerca de 650 milhões de adultos eram obesos e 39 milhões de crianças com menos de 5 anos estavam com sobrepeso ou obesidade. Em 2015, cerca de 52,5% da população brasileira estava com sobrepeso, e 17,9% com obesidade, gerando grande preocupação dentre os profissionais de saúde.
De fato, a obesidade deve ser encarada como uma doença multifatorial, ou seja, a “culpa” da obesidade deve ser atribuída a uma somatória de fatores genéticos, ambientais, comportamentais e econômicos. Nesse contexto, o debate sobre as estratégias de emagrecimento deve ter visão ampla destes fatores, evitando que pessoas obesas sejam consideradas protagonistas desta doença. Está claro que o discurso unilateral sobre a obesidade ameaça a saúde psicológica e física de pessoas consideradas obesas, e dificulta a implementação de estratégias eficazes no combate à obesidade. Neste sentido, esta matéria tem caráter informativo sobre dois processos fisiológicos:
Os efeitos da maior proporção de gordura corporal em relação a quantidade de massa muscular;
A influência do treinamento físico no perfil inflamatório.
Durante a Era primitiva, alguns mecanismos adaptativos foram primordiais para a manutenção da espécie, como por exemplo a capacidade de armazenar energia em forma de gordura, evitando que a escassez de alimentos fosse um fator limitante para o desenvolvimento do que hoje conhecemos como a “espécie humana”. No entanto, ao passo que o acesso e os métodos de conservação de alimentos aumentaram, esta “habilidade” não se adaptou na mesma velocidade, e consequentemente, tem sido acumulada maior quantidade de gordura corporal do que o necessário, gerando maior suscetibilidade ao desenvolvimento de doenças crônicas não-transmissíveis.
Todos os tecidos do corpo humano são mantidos pelo transporte de oxigênio sanguíneo, que é bombeado pelo coração através de vasos sanguíneos de grande calibre (maiores), e que chegam aos tecidos mais distantes através de vasos sanguíneos de pequeno calibre (menores). Nos estoques de gordura espalhados pelo corpo humano, o aumento das células de gordura comprime os vasos sanguíneos, e limita o transporte de oxigênio aos tecidos. Apesar de não ser claro qual a quantidade de gordura que inicia este fenômeno, sabe-se que quanto maior a quantidade de gordura corporal pior, é o transporte sanguíneo aos tecidos.
Os tecidos necessariamente precisam do oxigênio transportado pelo sangue. Basta lembrar o que acontece com nossos dedos quando prendemos a algum fio ou até mesmo a alianças com tamanhos menores (o dedo fica roxo pela ausência de oxigênio e pode ocorrer necrose tecidual (risco de morte tecidual)).
Por outro lado, durante a obesidade, a baixa quantidade de oxigênio não resulta em morte das células a curto prazo. Em um primeiro momento ocorre inflamação tecidual, na tentativa de combater a ausência de oxigênio, porém como não há uma solução a curto prazo, o tecido permanece inflamado por um longo período, e se estabelece uma inflamação crônica de baixo grau (leve).
O exercício físico tem sido conhecido como um estímulo regulador para diversos sistemas e processos do corpo humano. Com relação à obesidade muito se discute sobre os efeitos do exercício físico para o emagrecimento. No entanto, é interessante mencionar que o exercício físico também apresenta capacidade de promover inflamação sistêmica de baixo grau, no entanto, este estado inflamatório é associado a uma série de benefícios sistêmicos de curto/longo prazo. Além disso, o treinamento físico regular apresenta potencial de reduzir o estado inflamatório crônico.
Mas existe diferença entre as diversas modalidades de treinamento físico?
A influência do exercício físico na capacidade de solucionar inflamações depende de como este é executado. Quando o exercício é realizado esporadicamente (como por exemplo o futebol de quarta-feira). O desafio para o organismo lidar com a inflamação gerada pelo exercício é muito maior do que para um indivíduo previamente preparado.
Outro ponto importante é a intensidade do exercício físico. Refletindo ainda sobre o exemplo do futebol de quarta-feira... O fato de envolver uma competição, provoca entre os participantes a necessidade de ir ao máximo de sua capacidade física. Neste caso, a maior suscetibilidade gerar maiores demandas orgânicas e maior resposta inflamatória. Desta forma é necessário ter calma em relação a intensidade das atividades.
O futebol de quarta-feira não é o vilão. Mas o exercício físico de forma esporádica e/ou de alta intensidade, para pessoas com sobrepeso ou obesidade sedentárias que buscam a mudança no estilo de vida é inadequado. Desta forma, fica a mensagem principal:
Para otimizar a resposta imunológica pouco importa a modalidade de exercício físico escolhida, mas sim, que este seja realizado constantemente, e inicialmente de leve à moderada intensidade.
Referências consultadas:
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Revisão ortográfica: Leilaine Nogueira