Exercício demais faz mal?


A frase “a diferença entre o remédio e o veneno está na dose” do médico e filósofo Paracelso (autor do século XV) se aplica a muitas questões da vida, certamente uma delas é o treinamento físico.


Prof. Me. Bruno Nascimento-Carvalho

Pesquisador do Laboratório do Movimento Humano

19.07.2021

Apesar do treinamento físico ter eficácia semelhante a um remédio em alguns aspectos, como por exemplo reduzir a pressão arterial em proporção semelhante a medicamentos anti-hipertensivos de primeira classe (↓ 8 – 10 mmHg) em sujeitos hipertensos; esta coluna não discutirá a compreensão ou aplicação do treinamento físico como um medicamento. Nos parágrafos seguintes serão abordados os aspectos que norteiam a “dose” excessiva do treinamento físico e os seus efeitos prejudicais ao organismo.

Variáveis do treinamento físico

Quando o treinamento físico é executado há muitas variáveis a serem consideradas para que haja equilíbrio em relação a “dose diária”, como: volume total de exercício físico; intensidade da execução; duração das sessões; frequência semanal; velocidade da execução dos movimentos; tempo de recuperação entre as sessões.

O desequilíbrio entre estas variáveis pode induzir sobrecargas excessivas aos indivíduos, promovendo queda de desempenho, lesões ou outros eventos prejudiciais à saúde. Há dois termos em inglês direcionados ao contexto de desequilíbrio na manipulação das variáveis do treinamento físico: overtraining e overuse.

O overtraining possui à tradução literal de “treinamento exagerado”, é caracterizado pela queda progressiva de desempenho das tarefas (Figura 1), que ocorre em médio/longo prazo, com origem no período inadequado de tempo de recuperação entre as sessões de treinamento físico e um manejo inadequado das variáveis de treinamento (volume, intensidade e frequência).

DI ALENCAR, Thiago Ayala Melo et al. Overtraining/overuse em ciclistas e seu retorno ao esporte. Revista Movimenta; Vol, v. 3, n. 1, 2010.

É importante mencionar que a queda de desempenho se associa a alterações no estado psicológico (dificuldade de concentração nas tarefas, queda na estabilidade emocional e perda de interesse na atividade física), como também prejuízos nas funções imunológicas (maior suscetibilidade ao desenvolvimento de doenças).

Há também o overuse, que são lesões geradas por um desiquilíbrio entre atividades executadas em grande volume em relação a momentos insuficientes de descanso, gerando sobrecargas musculares e articulares. Muito comum em atletas amadores que realizam grande demanda de esforço repetitivo sem acompanhamento profissional.

Além da queda de desempenho e suscetibilidade a lesões com manejo inadequado das variáveis do treinamento físico, outro aspecto importante relacionado ao “treinar demais” é a possibilidade de eventos à saúde em indivíduos que apresentam alguma condição especial. Sendo que indivíduos com anormalidades em estruturas físicas (biomecânicas) são mais suscetíveis a ter lesões por overuse.

Alguns destes eventos são evitáveis com manejo adequado, como por exemplo a queda na glicemia em indivíduos diabéticos ou o aumento da pressão arterial em indivíduos hipertensos. Entretanto, mesmo com suporte adequado podem ocorrer situações que são "exceções à regra" na prática de atividades físicas (exemplo: a parada cardíaca do jogador Christian Eriksen na Eurocopa 2021), nestas condições há necessidade que seja acionado os primeiros socorros com urgência.

Respondendo à pergunta do título, o que faz mal não é treinar demais (quanto mais o indivíduo é treinado, mais ele apresenta capacidade de ser treinável), o que faz mal ao organismo é não respeitar os limites biológicos e não realizar manejo adequado das variáveis do treinamento físico considerando as características de cada indivíduo.

Lembrete importante, consulte um profissional de Educação Física para realizar a prática de atividade físicas com maior segurança.

Bibliografia consultada:

  • MALACHIAS, Marcus Vinicius Bolivar et al. 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial: Capítulo 1-Conceituação, Epidemiologia e Prevenção Primária. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 107, 2016.

  • DI ALENCAR, Thiago Ayala Melo et al. Overtraining/overuse em ciclistas e seu retorno ao esporte. Revista Movimenta; Vol, v. 3, n. 1, 2010.

  • BOMPA, Tudor O. Periodizaçao No Treinamento Esportivo, a. Editora Manole Ltda, 2001.

  • CHUNG, Yi; HSIAO, Yi-Ting; HUANG, Wen-Ching. Physiological and Psychological Effects of Treadmill Overtraining Implementation. Biology, v. 10, n. 6, p. 515, 2021.

  • KREHER, Jeffrey B. Diagnosis and prevention of overtraining syndrome: an opinion on education strategies. Open access journal of sports medicine, v. 7, p. 115, 2016.

Imagem fornecida pelo Laboratório do Movimento Humano

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Revisão ortográfica: Bernadete Siqueira


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