Ela está aí

por Vera Bifulco

09.04.2020

Decisões de fim de vida

jamais deveriam ser deixadas para o fim da vida.

A morte é, e sempre foi, assunto temido por todos. Para os que se dedicam e trabalham em Cuidados Paliativos a morte é nossa companheira de jornada. Já para o público em geral ela é a distante morte, aquela que só acontece com o outro. O outro morre, eu não!

De repente, essa mesma morte se tornou bem mais próxima, a distância se encurtou. E não para poucos. É o mundo todo que está convivendo com a morte próxima, ameaçadora, que pode acontecer com qualquer um. A pandemia trouxe a morte para dentro de nossas casas. De repente, as pessoas começaram a pensar nela, sentir seu toque, cheiro, e muitos a vivenciá-la com uma pessoa próxima, querida, amada, um familiar, um amigo.

Em alguns países, como a Itália, os mortos estão isolados de seus entes queridos justamente no momento em que a presença deles faria toda a diferença – o momento da despedida. E o mundo é tocado por isso. Como a atitude da enfermeira que pega seu celular e permite que a avó se despeça da neta antes de partir. Tais atitudes nos Cuidados Paliativos são rotineiras. Paliativistas se dispõem a realizar essas despedidas nos mais variados cenários, pois sabem que têm uma magnitude ímpar tanto para quem vai como para quem fica. E mais, esses momentos de despedida se eternizam para os que ficam.

No intramuros de instituições que trabalham na área da saúde, essa rotina é normal, mas agora os que estão no extramuros tomam conhecimento de uma realidade que antes desconheciam, e se apiedam e se condoem.

Não prolongarei esse texto, mas quero deixar uma mensagem, uma mensagem que considero de extrema importância e que o momento de agora contribui para isso.

Vivam como se fôssemos morrer agora e morram como eternos que somos.

Cada dia, cada ocasião, cada momento é único, faça-o valer a pena.

Não deixe para momentos derradeiros de um fim de vida, absolutamente nada. Pode não dar tempo.

Na hora da morte é você e Deus, seja seu deus qual for.

Criei um cenário para minha morte onde pessoas que amo estivessem comigo me segurando a mão, sorrindo e me passando a tão sonhada serenidade frente ao grande mistério da passagem. Mas esse cenário pode não acontecer. Sejamos realistas.

Para finalizar cito um dos meus autores favoritos, Sherwin B. Nuland, em seu livro Como Morremos: “A dignidade que buscamos na morte deve ser encontrada na dignidade com que vivemos nossas vidas. Não é nas últimas semanas ou dias que compomos a mensagem a ser lembrada, mas em todas as décadas que a precederam”.

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Revisado por Maitê Ribeiro