Animais e pandemias

por João Aranha

22.04.2020

Pangolim

A domesticação de animais ocorreu de forma paralela ao momento histórico em que a humanidade passou da etapa de caçadores-coletores para a agricultura.

Os homens, paulatinamente, deixaram de ser nômades para se fixar à terra, pois já não havia muita disponibilidade de alimentos não cultivados, além da diminuição de animais selvagens.

Ao produzir seu próprio alimento, o homem começou a desenvolver novas tecnologias para a coleta, processamento e armazenamento dos alimentos.

A densidade populacional aumentava e, com isso, a necessidade de se produzir mais alimentos.

As plantas passaram a ser manipuladas, selecionando-se aquelas que eram comestíveis. Passo seguinte foi a domesticação de animais selvagens. A variedade de plantas era extremamente maior que o número de animais silvestres.

Os mamíferos domesticados foram poucos: o cachorro (o primeiro a ser domesticado), a vaca, a ovelha, a cabra, o porco e o cavalo.

Muitos foram amansados, mas não domesticados.

Aos poucos, porém, os animais domésticos começaram a adquirir grande importância para os homens. Passaram a fornecer carne, leite, além de contribuir como fertilizante e ajudar a arar a terra.

Ocorre que o crescimento populacional foi bem maior que a disponibilidade de alimentos e, com isso, os agricultores e seus familiares ficaram menos nutridos do que quando eram caçadores-coletores, o que os sujeitou fortemente a doenças.

Todos esses fatores — a domesticação de plantas e animais, forte adensamento populacional e a concentração de dejetos em um só local — colocaria em cena um novo elemento: os germens.

Adoramos nossos animais de estimação, mas sabemos que eles transmitem algumas doenças infecciosas que podem ser bem simples ou que podem evoluir para algo mais grave.

Não se espante ao saber que varíola, gripe, tuberculose, malária, peste bubônica, sarampo e cólera, entre outras, se originaram de animais, embora hoje em dia estes germens já tenham passado por uma mutação, tornando-os exclusivos de nós humanos.

A própria aids foi provavelmente originada do vírus de um macaco selvagem africano.

As doenças infecciosas epidêmicas se transmitem rápida e eficazmente de pessoa para pessoa e podem levar à morte, à recuperação e à imunização que, infelizmente, não é uma certeza.

A atual epidemia que ora nos assola parece ter se originado da China, mais precisamente na cidade de Wuhan.

Durante séculos e séculos a China — dado o seu isolamento geográfico em relação ao desenvolvimento que ocorria no Ocidente — criou a sua própria medicina e usos e costumes que vieram a se perpetuar na sua cultura.

Inúmeras importantes invenções e descobertas se originaram da China, chegando ao Ocidente através da lendária Rota da Seda.

Na medicina, legou-nos a acupuntura e a fitoterapia, que nos são de grande utilidade, além de importante conhecimento filosófico.

Alguns hábitos alimentares chineses, predominantes em lugares mais remotos, já foram abandonados, mas práticas milenares ainda subsistem e, por necessidade, foram usadas intensamente, quando da Grande Fome que assolou a China no período da implantação do plano de recuperação comunista, que foi de 1958 a 1962. Mesmo após a fome ter matado cerca de 36 milhões de chineses, produzir alimentos para o país mais populoso do globo terrestre sempre foi um desafio.

Outro fator de peso que se deve considerar é o fato de que o comércio de animais selvagens é responsável por uma fatia bem significativa da economia chinesa.

Nos dias atuais muito já se proibiu, mas parte da população ainda se utiliza de animais silvestres na alimentação, na medicina (remédios), nas vestimentas, nos ornamentos e como animais domésticos.

Tudo indica que teria se originado da cidade de Wuhan. Nessa mesma cidade existe um competente Instituto de Virologia e não muito distante dele há um mercado de peixe e frutos do mar e onde muitos animais exóticos de diferentes ambientes são mantidos juntos.

Ainda há muita controvérsia sobre a origem desse vírus. Algumas evidências, no entanto, já estão surgindo. A hipótese de o vírus ter sido criado em laboratório parece não subsistir. Já a possibilidade de ter sido isolado no citado Instituto de Wuhan e escapado acidentalmente ainda não foi totalmente descartada, embora seja veementemente negada pelos cientistas chineses.

Partindo do princípio de que o vírus tem origem na natureza e que epidemias anteriores como a SARS — Síndrome Respiratória Aguda Grave — também foi relacionada como originária de animais, as suspeitas dos cientistas chineses recaíram sobre o morcego, que representa ¼ das espécies de mamíferos, vive em comunidades com grandes densidades populacionais e apresenta um sistema imunológico que lhe permite uma convivência com diversos tipos de vírus.

Outros candidatos a transmissores também aparecem em alguns estudos, como as cobras e o pangolim (mamífero semelhante ao nosso tatu).

Tudo indica que lições da história da humanidade nem sempre foram aprendidas e vale lembrar que esta preocupação com o que devemos ou não comer vem de tempos imemoriais, como atestam as recomendações feitas pelo Senhor na passagem bíblica do Levítico, 11.

Para saber mais:

Armas, Germes e Aço, Jared Diamond, Editora Record

Revisado por Maitê Ribeiro