Espiritualidade x Religiosidade

por Vera Bifulco

14.10.2019

O tema espiritualidade começou a receber atenção da medicina na última década. Ao revisar a literatura, percebe-se o grande aumento do número de publicações a respeito, a maior parte em revistas de Cuidados Paliativos.

Não há mais dúvida da importância dos aspectos religiosos e espirituais no cuidado dos pacientes, mas não só deles.

O mundo está mais conectado e mais solitário, um paradoxo, mas uma verdade inquestionável.

Quanto mais usamos a tecnologia parece que mais nos distanciamos do “olho no olho”, como se fosse possível substituir a tecnologia pela presença humana.

Também é fato que a alta tecnologia tem ajudado na descoberta e tratamento de inúmeras doenças que outrora eram literalmente mortais.

Conservando as devidas proporções, para não sermos radicais em nossos julgamentos, a verdade é que o homem precisa encontrar o EQUILÍBRIO, saber usar racionalmente a tecnologia a seu favor, mas sem perder a humanidade que o define.

Talvez nessa busca pelo equilíbrio e sem esquecer que todo ser humano é constituído por uma tríade – corpo – mente – espírito, o homem tem buscado alimentar o aspecto espiritual como nunca antes.

Ouvi dias atrás um palestrante definir religião como: “eu com os outros”; espiritualidade como: “eu com Deus” e fé como: “eu comigo mesmo”. Achei genial e acredito que seja isso mesmo.

Espírito, do latim spiritus, significa sopro e refere-se a algo que dá ao corpo sua força vital e demonstra a relação do plano material com o imaterial, oculto, divino, que anima a matéria.

Como sou uma estudiosa do assunto e por ter nesses anos todos me envolvido em aulas para exatamente explicar essas diferenças, resolvi eu mesma construir um conceito do que para mim significa espiritualidade.

“Espiritualidade é uma maneira de ver, sentir e viver um aspecto não material da vida que pressupõe uma transcendência, um significado e um propósito maior para nossa existência terrena”.

A religião por sua vez, é uma forma dogmática, distorcida por vezes por fatores socioeconômicos, culturais e políticos. Assim, nota-se que alguns indivíduos são portadores de alto grau de espiritualidade sem pertencerem a uma religião instituída. Outros, ao contrário, têm sua espiritualidade fundamentada na religião, ou doutrina, ou filosofia que seguem.

Particularmente, acredito seja mais fácil viver uma experiência de espiritualidade dentro de uma doutrina ou religião escolhida.

Como atuo em Cuidados Paliativos – e por definição essa abordagem engloba os aspectos espirituais do paciente e família - abordo a espiritualidade deles com a simples pergunta: você tem uma religião? Se a tem como você a vive? Poderia dar uma nota de zero a dez para sua fé, sendo zero a ausência de fé e dez uma fé muito alta? O que percebo é que aqueles que possuem uma crença religiosa e a vivem não só na teoria, a espiritualidade tem se mostrado fator protetor, que traz serenidade e certa paz interior, principalmente quando a morte é vista como algo não tão longínquo.

As pessoas que trabalham sua espiritualidade no decorrer da vida, apresentam uma serenidade muito típica perto do momento da morte, o que confere tranquilidade e paz de espírito, o que conta muito para uma resposta física e positiva frente ao tratamento, mesmo que a cura não seja atingida nem seja ela o objetivo final.

Morrer de alma curada talvez faça a grande diferença no momento em que deixamos o mundo físico e nos entregamos ao grande mistério que nos espera após o desenlace derradeiro.