Mayana Zatz – Decodificando o DNA

Pessoas resistentes ao novo coronavírus são mais comuns do que se imagina.


Sonia Okita

16.04.2021

Colunista do Jornal da USP, na coluna Decodificando o DNA, a geneticista Mayana Zatz, abre espaço para falar o que os pesquisadores do Centro de Estudos sobre o Genoma Humano e Células-Tronco da USP (CEGH-CEL) estão observando nas pesquisas em desenvolvimento.

Em reportagem da TV Cultura, o escritor norte americano John Hollis participou de um estudo e descobriu que alguns pacientes produzem “superanticorpos” capazes de destruir o vírus da Covid-19 antes que as células do corpo sejam infectadas. Mesmo diluindo o soro deste paciente mil vezes ainda se detectou anticorpos neutralizantes. A mesma reportagem traçou um paralelo entre este paciente e aqueles que são resistentes ao HIV. A geneticista esclarece também, quais são as diferenças em relação ao paciente que produz os anticorpos superpotentes e o HIV.

Logo no início, Mayana lança uma pergunta: será que só as pessoas com esses “superanticorpos” são resistentes ao SARS-Cov-2?

A resposta é muito animadora. Saiba o que a geneticista falou nesta entrevista a Fabiana Mariz para a Rádio USP São Paulo, no dia 23 de março:

Mayana disse que casos como o do norte-americano com superanticorpos são raríssimos, e que nos dados da nossa população os casos de resistência à Covid-19 são muito mais comuns do que se imagina.

Sobre seu estudo sobre casais, Mayana pensou que fosse raro casos de casais discordantes, isto é, onde um teve Covid-19, de maior ou menor gravidade com PCR positivo (teste que detecta a presença do vírus), e o outro sem sintomas. Para sua surpresa, casos de resistência são muito mais comuns do que imaginava. Recebeu mais de 1000 e-mails de casais relatando que esse era o caso deles, um sintomático e o outro sem nenhum sinal da doença mesmo dividindo a mesma cama. E os e-mails continuam chegando.

Respondendo à pergunta sobre a diferença com o paciente americano, disse que justamente ao contrário do caso do americano, nos casais discordantes da sua pesquisa o cônjuge resistente não tinha anticorpos, e repetido os testes em 100 casos, somente 5% apresentaram anticorpos. Não se sabe se estes anticorpos foram produzidos no momento do contato com o cônjuge doente ou se foram produzidos depois.

Comparado com casos resistentes ao vírus HIV, Mayana disse que os casos de resistência são diferentes porque existe uma mutação no gene CCR5 (o receptor CCR5 da célula humana é fundamental para a entrada do vírus HIV), seria como uma porta com cadeado. A descoberta deste mecanismo foi importante porque, hoje, com a tecnologia de CRISPR (de engenharia genética) é possível editar um gene e criar uma mutação como essa, que confere a resistência.

Voltando aos casos da resistência ao SARS-Cov-2, verificou-se que 2/3 dos casos são de mulheres, isto é, o marido foi infectado, teve a Covid-19 e a mulher não teve nada. Isto pode ser explicado como herança complexa, onde atuam vários genes, cada um com um efeito pequeno e que interagem com o ambiente. Um exemplo disso é uma susceptibilidade maior ou menor a hipertensão ou diabetes de adulto. Mas, se por um lado é bom saber que a resistência não é tão rara, é mais difícil para os geneticistas identificarem todos os genes envolvidos nesta resistência.

Mariana acredita que com a colaboração da sua equipe de geneticistas e imunologistas, que estão analisando as respostas imunes dos casais discordantes, pode-se avançar no conhecimento deste vírus complexo e a resposta imunológica dos infectados ou expostos.


Revisão ortográfica: Anne Preste


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