Debate sobre tristeza e ansiedade na pandemia

Reações e sentimentos negativos podem confundir doença com alteração momentânea

Sonia Okita

16.06.2021
Foto: Tomás Arthuzzi

Se em algum momento da vida as pessoas ouvissem que algo provocou a morte de mais de 460 mil pessoas em pouco mais de um ano, o estado de ânimo passaria por sentimentos de espanto, pânico e medo. Num segundo momento, a tragédia e o trauma, seriam assuntos presentes a todo momento. No Brasil a divulgação diária dos números da pandemia já afetou o estado psicológico de mais da metade da população.

No rastro da pandemia, a saúde mental piorou 53% para os brasileiros, segundo pesquisa. Como é possível expressar em números algo abstrato e subjetivo? Para pesquisadores, reações ao afastamento social, a perda de parentes e amigos pela Covid, o sepultamento não presencial e luto mal resolvido, a perda de renda, interrupção das aulas e do encontro com pessoas, associadas a resiliência, desânimo, expectativas e frustrações, são declarações constantes em entrevistas através de questionários que medem alterações psíquicas e transtornos mentais.

Num levantamento de dados no período de um ano, o One Year of Covid-19, realizado pelo Instituto Ipsos, empresa de pesquisa de mercado sediado na França e presente no Brasil, o Brasil é o quinto país no mundo entre 30, onde os entrevistados sentiram piora no bem-estar mental e emocional; 53% das pessoas entrevistadas acreditam que sua saúde mental piorou desde o início da crise de Covid-19, 34% não notaram qualquer diferença e 14% afirmaram ter tido melhora.

Os relatos mais comuns são insônia devido à ansiedade e depressão, alimentação desregulada, aumento do consumo de alimentos ultra processados, aumento do consumo de álcool, cigarro e outras drogas, relatos de dores de cabeça crônica e enxaqueca, além de nenhuma prática de atividade física (BBC Brasil).

É importante diferenciar a doença depressiva, em geral crônica, de uma reação depressiva momentânea, normal à tragédia da crise sanitária.

Esta abordagem foi tema de debate do seminário Saúde Integral realizado pela Folha, em 31 de maio e publicado em 2 de junho, no qual participaram alguns especialistas convidados.

Pode ocorrer uma importância excessiva dos sintomas e os pacientes se sintam doentes sem estarem, enquanto acontece um processo de adaptação numa situação inusitada, avaliou o médico Luis Correia, diretor do Centro de Medicina Baseada em Evidência da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, e ainda sem dados consistentes, “se não temos dados é porque não existe algo gritante e não estamos vivendo uma pandemia de transtornos mentais”, considerou. Além disso, ressaltou que independente das crenças políticas, “uma das coisas é discutir opinião, outra é discutir fato”, sobre a alteração dos ânimos na pandemia.

Para o psicanalista Christian Dunker, do Instituto de Psicologia da USP, a depressão é diferente da sensação de tristeza, porque a depressão de fato compreende um quadro com 14 características distintas, e afirmou que o paciente fica aliviado quando consegue nomear o que está sentindo, o que é bom. Além disso, para ele, existem vários fatores a serem considerados nesta pandemia, como os efeitos do isolamento das crianças e jovens, e o crescimento da violência doméstica, e também da necessidade de mais tempo para saber os reais impactos na sociedade. Para alguns pacientes, não ter que trocar o pijama e sair de casa tiveram efeitos positivos no quadro depressivo, pois se sentiram pacificados pela “lentificação do cotidiano”. Christian observou que “saúde mental é uma atitude e pode ser de todos. Você não precisa ter uma formação para escutar o outro e prestar atenção nos sinais”.

A psicóloga Karen Scavacini, presidente do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio, avalia que não houve aumento no número de suicídios na pandemia, visto que o suicídio não é nada casual, mas multifatorial. Para ela, o aumento para as buscas sobre o assunto é um reflexo da diminuição do preconceito e do tabu em procurar ajuda, com os mais de 380 mil acessos ao site Mapa da Saúde Mental. Karen falou que “a gente consegue nomear a tristeza, identificar de onde ela vem. Se o quadro se prolonga, ou impacta no dia a dia da pessoa, merece uma observação cuidadosa”.

A importância da telemedicina ficou evidente com a participação de Tereza Veloso, diretora técnica médica e de relacionamento de Saúde e Odonto da SulAmérica. A apresentação de dados de mais de 10 mil consultas entre setembro de 2019 e abril de 2021, 89% foram consultas virtuais com psiquiatras e psicólogos, demonstrou que as mulheres entre 26 a 46 anos estão em destaque. Para Tereza Veloso “os três pilares, saúde física, emocional e financeira, precisam estar funcionando de uma maneira integral para uma pessoa poder se sentir bem”.

A jornalista Cláudia Colucci foi a mediadora do webinar Saúde Integral na Folha, no dia 31/05

Em outro estudo chamado COVIDPsiq, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que entrevistou 6,5 mil pessoas maiores de 18 anos e de modo online, apontou um aumento de 40% na progressão dos sintomas de depressão (GZH Saúde). Pessoas que nunca tiveram sintomas relataram casos de fobia social por medo de contágio e ataques de pânico, estresse pós-traumático, aumento de uso de álcool e outras drogas, de acordo com Vitor Calegaro, psiquiatra e professor da UFSM e coordenador do projeto, com a ressalva de que estes números podem ser maiores já que a pesquisa foi feita pela Internet.

Para a psicóloga Simone Torres Zaffari, especialista em terapia de casal e família, de Porto Alegre, para superar o momento “é preciso pensar que 2021 não será igual a 2020 porque já temos vacina e mais informações sobre a doença. Precisamos continuar com os cuidados fazendo o necessário e acreditando que isso vai passar”, resume. Com esta recomendação espera-se que as pessoas se afastem de pensamentos negativos e considerem que o sentimento de tristeza é justificada e temporária.


Revisão ortográfica: Anne Preste


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