A pandemia avança com o vírus se modificando em formas resistentes


As mutações são mecanismos que selecionam vírus mais contagiosos que continuam em circulação. Agora surge mais uma variante na África do Sul designada Ômicron.


Sonia Okita

02.12.2021

A Organização Mundial da Saúde classifica a nova cepa como 'variante de preocupação' (imagem G1)

Até agora a variante Delta é a que predomina, inclusive no Brasil.

A vacinação incompleta, juntamente com o relaxamento das medidas sanitárias e o movimento anti-vacina, é o atual cenário que o mundo vive na quarta onda de transmissão pela variante Delta. As vacinas salvam vidas, mas não são capazes de impedir totalmente a continuidade da disseminação. Nenhuma tem o grau de proteção de 100%, o que significa que sempre haverá uma parcela da população que não responderá com imunidade. Mesmo assim, em caso de uma infecção, os vacinados não devem apresentar um quadro grave, e a probabilidade de internação e morte é baixa. Assim, o sistema de saúde não será sobrecarregado, inclusive com capacidade plena para atender outras doenças predominantes como as cardiovasculares e câncer.

A vacinação tem sido mais lenta na União Europeia do que no Reino Unido e nos EUA

Em meio a situação de conflito entre a necessidade de retomar a economia e as normas de restrição das agências de saúde, a Europa revive o aumento de casos de Covid-19.

Atualmente, países como França, Alemanha, Áustria, Holanda, Eslováquia e Letônia contabilizam uma alta taxa de casos, maior do que no ano passado quando se instalou a pandemia. Com isso, a volta das medidas restritivas provocou protestos nas ruas. As pessoas não querem manter o isolamento e o uso de máscaras novamente.

Num forte apelo das autoridades da União Europeia (UE) para completar a vacinação, inclusive com a dose de reforço 6 meses após a segunda dose, a presidente Ursula Van der Leyen fez um apelo recomendando à manutenção das medidas de proteção.

A European Medicines Agency (EMA), agência reguladora europeia, recomenda que os 27 países membros incluam na vacinação completa a terceira dose de reforço para emissão do “passaporte verde”, que deve conter o histórico de vacinação e testes de Covid negativos para permitir a circulação entre fronteiras, como também frequentar locais públicos abertos e fechados, transportes públicos, cinemas, bares, restaurantes e academias de ginástica.

Italianos se reuniram em Roma para protestar contra o passaporte da Covid (Giuseppe Lami/Ag. EFE)

A UE propõe reconhecer a Coronavac, da chinesa Sinovac, aplicada no Brasil, para permitir a entrada nos países-membros desde que apresentem teste negativo para Covid. Em declaração ao canal CNN da vice-diretora geral da Organização Mundial da Saúde (OMS) no Brasil, Mariângela Simão, “todas as vacinas que forem aprovadas pela OMS vão ser autorizadas a entrar pelo menos no espaço da União Europeia”.

Os números da rejeição: porque as pessoas de vários países não querem se vacinar

Uma pesquisa publicada na revista Pesquisa Fapesp de novembro de 2021, por Rodrigo de Oliveira Andrade, a Morning Consult, empresa internacional de inteligência norte americana, realizou uma entrevista com 50 mil pessoas de 15 países no período de 5 e 11 de outubro, e observou uma queda gradativa no número de pessoas que não tomaram ou não tem intenção de se imunizar, com exceção da Rússia que chega a 43% da população. As principais justificativas da recusa são por: preocupação com os efeitos colaterais, testes clínicos apressados, não confiam na efetividade, são contra vacinas em geral, não confiam nos fabricantes e supõem que o risco de contrair Covid é mínimo.

No Brasil o panorama da pandemia é mais otimista, com queda no número [1] de casos, internações e mortes devido à forte adesão à vacinação. Mesmo a propagação de notícias falsas não afetou a confiança nas vacinas. Em 18 de outubro, a porcentagem de pessoas com vacinação parcial e completa era de 73%, um dos maiores percentuais[2] do mundo, segundo o site Our World in Data, da Universidade de Oxford. No entanto, alguns entrevistados alegam erroneamente que crenças religiosas e hábitos de vida saudável os protegem contra a doença sem precisar de vacina.

Na Rússia, que produz a vacina Sputnik V, a rejeição parece ter fundamento na falta de confiança nas vacinas, sobretudo pela população descrente no Presidente Vladimir Putin, segundo a pesquisa.

Nos Estados Unidos,[3] a resistência às vacinas fez com que o Brasil ultrapassasse o ranking das pessoas imunizadas. Com forte influência política, os estados americanos governados pelo Partido Republicano concentram a maioria dos casos novos e hospitalizações, reflexo da baixa adesão e do negacionismo. Ao contrário, os Democratas pressionam o presidente Biden a só liberar verbas para os estados que cumprirem as metas da vacinação. Os casos mais graves ocorrem nas pessoas não vacinadas.

Na Índia, a segunda população mundial, apenas 20,2% estavam vacinados até meados de outubro devido a falsas notícias de infertilidade e morte causadas pelas vacinas.

Em países do primeiro mundo, as pessoas que se declaram anti-vacina se justificam também pela liberdade individual e direito de escolha somada à desconfiança dos interesses comerciais dos produtores, um sinal de que há uma “preocupação quanto ao uso político e econômico por governos e empresas privadas”, conclui Yurij Castelfranchi da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Os europeus, por herança traumática do nazismo e visão crítica de que o desenvolvimento tecnológico provoca degradação ambiental, são mais propensos a acreditar em teorias conspiratórias e crise de confiança supostamente do mau uso da ciência e tecnologia. Um exemplo é o absurdo “estudo” publicado há alguns anos em uma revista científica de renome, que diz que a vacina tríplice causaria autismo em crianças, e na verdade, o autor tinha interesses comerciais em outra vacina recomendada como alternativa.

O anúncio da mais nova variante da África do Sul

No dia 26 de novembro, a nova descoberta levou o governo da África do Sul e uma comissão de cientistas, entre eles o cientista de bioinformática brasileiro Tulio de Oliveira, a anunciarem com total transparência a detecção da cepa Ômicron (variante B.1.1529), com dezenas de múltiplas mutações no vírus SARS-Cov-2 nunca vistas antes. As mutações revelam maior capacidade de disseminação e podem ser mais resistentes às vacinas, com potencial ameaça para uma quinta onda. Ainda não há um consenso sobre a real periculosidade desta nova variante, mas autoridades dos governos dos Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido, Japão entre outros, bloquearam a entrada internacional de pessoas vindas da África do Sul e países vizinhos do sul da África (Botsuana, Suazilândia, Lesoto, Namíbia e Zimbábue, até o momento).

Aeroportos são a principal entrada de pessoas contaminadas (imagem Aeroporto de Toronto, Canadá)

No Brasil, a Anvisa também recomendou os protocolos internacionais para barrar viajantes vindos do sul da África. As restrições defendem também o passaporte da vacina. Em declaração controversa, o presidente da república descartou essas medidas, mas defendeu quarentena e monitorar suspeitos de contaminação.

A vacinação de crianças a partir de 5 anos de idade foi autorizada pela EMA, conforme declaração de Jeremy Rossman, professor da Universidade de Kent, no Reino Unido (AFP).

“Em países com baixa taxa de transmissão, a retomada das atividades para circulação deve ser lenta enquanto os números de casos e mortes estiverem baixando”, afirma Maria van Kerkhove, médica especialista do Programa de Emergência em Saúde da OMS. “A comunicação clara com a população sem negligenciar o acompanhamento estatístico da pandemia é importante, e é preciso corrigir a tempo os ajustes necessários em alerta de agravamento”, explicou em entrevista para United Nations, Organização das Nações Unidas para cooperação internacional. Da mesma forma que o uso do cinto de segurança se tornou um hábito que salva vidas, usar máscaras em recintos fechados ou espaços lotados, lavar as mãos, cobrir tosses e espirros, são medidas eficazes que o mundo aprendeu como fatores de sobrevivência, segundo representantes da Organização Mundial da Saúde.

Esta é uma das lições que o Brasil deve assimilar com a quarta onda que assombra a pandemia na Europa. Acompanhar de perto a expansão da variante Ômicron é fundamental antes de relaxar as medidas de contenção da pandemia para barrar a mais nova ameaça.


Revisão ortográfica: Leilaine Nogueira


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