Prof. Dra. Leila Tardivo (*)

"Esse período de reflexão nos levará a uma nova escala de valores, com o dever que temos de cuidar uns dos outros e, com isso, cuidando do futuro da própria Terra."

por João Aranha

01.05.2020

Em entrevista concedida ao Cidadão e Repórter na última segunda-feira, 27 de abril, a Dra. Leila Tardivo abordou diversos aspectos relativos ao impacto que a pandemia que ora nos assola está causando, principalmente, nos grupos considerados de maior risco.

Com relação à violência doméstica — que apresenta números crescentes — Tardivo disse que as vítimas, sejam elas mulheres, crianças, adolescentes ou idosos, precisam ter condições de pedir ajuda. Esclareceu que os serviços de ajuda continuam funcionando, agora on-line, como é o caso do Ministério Público de São Paulo, a Casa da Mulher Brasileira e outras instituições. Afirmou que as vítimas não podem se sentir acuadas, sem dispor de recursos, e que a ajuda deve vir da família, de amigos e mesmo da comunidade, as quais devem estar atentas para denunciar qualquer situação de risco.

Tardivo disse que nesse longo período de isolamento que estamos vivendo, deve-se dar atenção especial aos idosos, os quais também demandam um cuidado maior por parte da família e da própria comunidade em que está inserido.

Disse que o ideal é que os mais velhos preencham seu tempo com atividades criativas e produtivas, como exercícios físicos, palavras cruzadas e similares e uma boa leitura.

Recomendou que não se gaste muito tempo com notícias da pandemia, evite divulgar fake news e que se deve procurar uma ajuda mútua, entre casais e a própria família.

Tudo, no entender de Tardivo, deve ser feito sem que haja muita exigência, respeitando o ritmo de cada um.

Lembrou ainda que alguns podem apresentar quadros de depressão, por julgarem que não têm mais tempo para cumprir alguns de seus objetivos. A psicóloga alertou para o fato de que ninguém consegue fazer tudo o que devia e que muito já foi feito e realizado. A vida agora é prioritária, e nada impede que outros objetivos sejam postergados.

Priorizar os que teoricamente seriam mais úteis é brincar de Deus, segundo a professora. No seu entender, a visão deveria ser no sentido contrário, ou seja, a primazia deveria ser dada aos mais vulneráveis.

Sugeriu dar valor às recomendações da ciência e da medicina, as quais consideram que toda vida tem valor, independentemente da idade, gênero ou raça.

Quanto à convivência forçada no meio familiar, julga que pode haver um aumento de conflitos, mas que o tempo junto pode fazer com que haja mais conhecimento das pessoas entre si. A família pode ficar mais junta, assistindo filmes, brincando com as crianças, explorando o que realmente tem valor. A receita para isso é mais tolerância e mais paciência.

Tardivo é otimista quanto ao futuro pós-pandemia, acreditando na força humana e na esperança de uma revitalização da empatia e da solidariedade.

Lembrou que o Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, assim como outras instituições, vem prestando atendimento gratuito, principalmente a profissionais de saúde, de todo o Brasil, os quais enfrentam situações cotidianas da doença e morte.

Dra. Tardivo finalizou com uma mensagem de esperança, acreditando que esse período de reflexão nos levará a uma nova escala de valores, com o dever que temos de cuidar uns dos outros e, com isso, cuidando do futuro da própria Terra.

Ouça abaixo a íntegra da entrevista da Dra. Leila Tardivo.

CeR: Que ações, como psicóloga, a senhora recomenda, nesses tempos de pandemia, no sentido de amenizar os crescentes casos de violências domésticas, inclusive no que diz respeito aos idosos?

CeR: Em que medida a reclusão por longo período pode afetar os estados físicos, psicológicos, mentais e espirituais dos idosos, considerando que muitos se veem envelhecendo sem a concretude dos seus objetivos, levados pelo medo e pela sensação de que estão "perdendo tempo", recurso que para alguns já era limitante.

CeR: Qual a sua opinião sobre a visão dos que defendem (inclusive de governantes) que se deve priorizar aqueles que são mais úteis para a sociedade e os que teoricamente teriam mais expectativa de vida com qualidade?

CeR: A sra. acredita que a convivência forçada no meio familiar pode alinhar pensamentos que estavam distanciados, ou se, pelo contrário, crescerá o antagonismo?

CeR: Exposta na pandemia, a fragilidade humana pode fazer emergir uma sociedade mais igual e mais solidária?

(*) Leila Tardivo é doutora em Psicologia Clínica e livre-docente em Psicopatologia pela Universidade de São Paulo.

É professora colaboradora da Faculdade de Psicologia da Universidade de Sevilha - Espanha.

Tem artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais e é autora de livros e capítulos de livros em sua área de especialidade.


Revisão: Maitê Ribeiro