Velhice é doença?


A ciência está muito perto de fabricar uma pílula que nos livrará de moléstias mais próprias do envelhecimento, como cânceres e demências.


João Aranha

23.03.2020

É possível saber por que envelhecemos e porque não precisamos?

A Organização Mundial de Saúde — OMS já abdicou, desde 1947, de definir saúde como ausência de doenças e, sim, considerar saúde como um estado de bem-estar físico, psíquico e social.

Com relação ao envelhecimento, a OMS, desde 1990, considera que o processo de envelhecer não é homogêneo e vem sofrendo diversas mudanças de paradigma ao longo dos anos. A forma de encarar o envelhecimento como um processo de declínio inexorável já foi deixada para trás, há muito tempo.

Para a organização internacional de saúde não basta a terceira idade se considerar física e profissionalmente ativa, mas é necessário que haja uma participação ativa na vida cotidiana, tanto em termos políticos, sociais, econômicos, quanto culturais, familiares, comunitários e enquanto cidadãos.

Com o advento da Geriatria (que estuda os processos patológicos do envelhecimento), da Gerontologia (que estuda o segmento do envelhecimento, de forma mais ampla) e do conceito de Life-Span (que diz que o envelhecimento é um desenvolvimento que ocorre por toda a vida, com perdas e ganhos próprios de cada idade), já está sendo possível encarar a terceira idade com perspectivas que levam a um envelhecimento bem-sucedido.

Em tempos do politicamente correto, que impera em nossos dias, é temerário considerar o etarismo (preconceito etário) como algo a ser lamentado.

Estes novos tempos exigem uma ressignificação da velhice. Não se pode deixar de considerar que vivemos num país extremamente desigual onde ser velho em Santa Catarina, por exemplo, é muito diferente de ser velho no interior do Maranhão, do Piauí ou na Amazônia.

Causa-me espanto ouvir médicos receitarem uma dieta mediterrânea para um envelhecimento saudável, enquanto boa parte da população passa fome.

Todos querem viver mais, entretanto, privilegiando a quantidade em detrimento da qualidade, muitas vezes.

Laboratórios e empresas que visam lucros já não escondem a pretensão de considerar a velhice como uma doença a ser tratada, como atestam inúmeros novos produtos "anti-aging", que vão desde a área dermatológica até a genética e as células-tronco. Hoje, a ciência já se prepara para combater a senescência (envelhecimento em sua plenitude) sonhando com uma pílula que nos permita viver com qualidade acima dos cem anos.

A mais recente manifestação, nesse sentido, vem de um renomado biólogo australiano, professor e pesquisador da Universidade de Harvard, David Sinclair, que acaba de publicar o livro (ainda não disponível em português) "Lifespan" – Por que envelhecemos e porque não precisamos.

A base de suas pesquisas tem, como modelo, certos comportamentos de animais (no caso de Sinclair as águas vivas da lua, espécie de medusas) e de leveduras, onde foi observado o mau funcionamento de uma família de proteínas chamadas sirtuínas, que seria a única causa de desacelerar e reverter o relógio do tempo. Segundo Sinclair, sua descoberta da sirtuína permite que sejam feitos reparos nos danos do DNA, controlando e mantendo as células no seu trabalho normal, evitando-lhes uma sobrecarga de trabalho que, ao se comportarem mal, causam falências de órgãos, rugas, etc.

Segundo Sinclair, a ciência está muito perto de fabricar uma pílula que nos livrará de moléstias mais próprias do envelhecimento, como cânceres e demências. Agora, se você não quiser esperar pela pílula mágica, ainda segundo Sinclair, pode adotar algumas providências que exigem certo sofrimento.

São observações baseadas na epigenética, estudo dos mecanismos moleculares por meio dos quais o meio ambiente controla a atividade genética, sem modificar o código genético, ou seja, quando determinada característica de um gene se faz necessária, o ambiente gera um sinal que o ativa. As recomendações vão desde se expor a baixas temperaturas (ou muito altas), praticar exercícios físicos de alta intensidade e restringir a alimentação.

Quanto à alimentação, passar fome de vez em quando (pular café da manhã e almoçar tarde, por exemplo) seria salutar. Uma dieta restrita, com redução de calorias, teria efeito imediato na redução da pressão arterial, dos níveis de açúcar no sangue e dos níveis de colesterol, retardando os efeitos colaterais do envelhecimento.

A exposição ao frio (uma caminhada rápida e desagasalhado no inverno, por exemplo) também faz com que as sirtuínas ativem o circuito de sobrevivência que todos nós possuímos, dizendo às células para aumentarem a defesa que mantém o organismo vivo.

Há outros autores que vão mais longe, sobre as implicações da epigenética, considerando que a energia dos pensamentos pode ativar ou inibir proteínas de funcionamento das células. Por outro lado, já é conveniente pensar num mundo futuro onde as pessoas alcançarão a longevidade, com a erradicação das doenças que causam o envelhecimento, gerando inúmeras implicações éticas e sociais. Algumas obras da literatura, talvez, nos auxiliem a entender um pouco mais do que está por vir. Entre outras, podemos citar: As Intermitências da Morte, de José Saramago; Todos os Homens são Mortais, de Simone de Beauvoir; Diário da Guerra aos Porcos, de Adolfo Bioy Casares; Assim é se lhe Parecer, de William Shakespeare e, entre outros filmes, O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman. O que se espera, mesmo, é que, ao viver mais, os homens reflitam sobre o que é a Vida e qual o papel que realmente devemos desempenhar nesse teatro, cujos atos parecem se esticar cada vez mais.



Fontes bibliográficas:Lifespanbook.com – David SinclairA Biologia da Crença – Bruce H. Lipton (Ed. Butterfly)O fim da velhice – Hélio SchwartsmanFolha de São PauloGuia para jornalistas na cobertura do envelhecimento – vários organizadores (Dínamo Editora)