Dissonância cognitiva

por João Aranha

14.07.20

“Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”

Dissonância cognitiva é um termo criado em 1957, pelo psicólogo americano Leon Festinger (1919/1989), após uma série de pesquisas feitas experimentalmente com estudantes. Seus estudos foram de grande importância para o desenvolvimento da psicologia social.

Para Festinger, trata-se de um estado mental que gera conflito entre as ideias, crenças e valores do indivíduo em relação ao seu comportamento.

Esse desconforto mental gera uma tensão que pode ser traduzida por um embate entre a coerência e a incoerência, entre a persuasão e a dissuasão e entre o comodismo e a mudança.

Leon Festinger (1919-1989)

A prática do tabagismo é um bom exemplo da dissonância cognitiva. As pessoas sabem que o hábito de fumar é prejudicial à saúde mas, ou dão mais valor ao vício do que à saúde, ou minimizam os efeitos do tabaco ou, ainda, tentam justificar alegando que parar de fumar tem um ganho e, por outro lado, uma perda, já que pode levar a um aumento não desejável de peso corporal.

A dissonância leva, normalmente, a uma tendência à mudança, à procura de uma coerência do comportamento cognitivo. Porém, mudar o quê? As crenças e valores do indivíduo, ou seu comportamento? Tanto uma como a outra são difíceis de ocorrer na prática.

No entanto, adequar atitudes aos valores parece ser mais fácil do que contrariar convicções e princípios.

Há indivíduos que se julgam sempre certos, não mudam de opinião e são refratários ao diálogo; veem as coisas somente por um ângulo, excluindo alternativas viáveis numa busca incessante do que se chama viés de confirmação, ou seja, encontrar informações que confirmem suas posições e visão do mundo. Há uma perseveração, tendência de repetir infindavelmente um padrão de atitudes.

Um estudo recente publicado pela revista científica britânica Nature mostra o que acontece com nosso cérebro quando há necessidade de se tomar uma decisão.

Feita com 75 voluntários, a pesquisa os coloca numa situação de escolha entre duas possibilidades.

Após optar, novas informações são acrescidas, visando dar novos elementos que possam corrigir um possível erro de avaliação. Todo o procedimento é acompanhado pelo scanner da atividade cerebral.

O que se conclui é que o cérebro, mesmo recebendo informações contraditórias, continua sensível àquelas que confirmaram a escolha inicial.

Em resumo, o estudo demonstrou que conceitos preestabelecidos estão tão arraigados no cérebro que as pessoas resistem a absorver novas evidências.

Antes, o que era apenas uma observação do comportamento social humano, agora tem o peso de uma confirmação científica.

Uma situação oposta ao acima relatado, são aqueles seres que, inseguros, mudam sempre de opinião para agradar e não contrariar as pessoas. Buscam apoio social e se submetem com mais facilidade a boatos e inverdades baseadas, por exemplo, em pseudociência geralmente originárias de alguém com certa credibilidade, que usam números e índices que visam criar realidades paralelas, muitas vezes tendenciosas e propensas a se tornarem armas políticas.

Tomar uma decisão se torna uma tarefa difícil e, muitas vezes, quase impossível.

O filme Doze Homens e uma Sentença retrata bem a opção de evitar o conflito para se livrar rapidamente de um problema.

A trama, que se passa quase totalmente na sala de jurados de um tribunal, coloca 12 homens encarregados de julgar, face aos fatos apresentados, a culpa ou inocência de um jovem latino acusado de ter matado seu próprio pai.

Uma unanimidade de opinião poderá condenar o rapaz à morte — o que poderá ser ou não uma grande injustiça — ou simplesmente absolvê-lo — o que poderá se constituir ou não num flagrante desrespeito social e às leis.

Cena do filme Doze Homens e uma Sentença

Em uma sala fechada, num dia de calor, os jurados querem se livrar rapidamente do problema, ávidos para retornarem às suas casas ou a seus afazeres.

Para simplificar as coisas, os jurados fazem uma prévia, para atestar qual seria o pensamento individual de cada um. Onze deles se mostram favoráveis à condenação e apenas um não tem certeza sobre a culpabilidade do réu.

Inicia-se, então, uma batalha onde todos se veem obrigados a ter de analisar detalhadamente as provas da promotoria, os detalhes de cada depoente, a exatidão das informações prestadas pelas testemunhas e todos os fatores ligados à cena do crime.

Aos poucos, o jurado discordante cria um clima de conflito, mostrando que um mesmo fato pode ser visto sob ângulos diferentes, fazendo ressoar na consciência dos demais jurados as palavras de alerta do juiz — de que todos são em princípio inocentes até que se prove o contrário.

O filósofo Nietzsche levou a dissonância para o campo da História, acreditando no que chamava de transvaloração, ou seja, considerando que os valores mudam ao longo do tempo, caberia ao homem ter a coragem de erigir novos e humanos valores, condizentes com o florescimento e a intensificação da vida humana.

A melhor forma de se minimizar a dissonância e o viés de confirmação talvez seja buscar informações que sejam confiáveis — o que se torna realmente difícil nesses tempos de fake news — e se mostrar receptível a uma eventual mudança, considerando a real importância e o peso que se dá a sua escala de valores e suas crenças.

Conciliar suas ideias e suas ações, evitando a dissonância, é um exercício que pode e deve ser aplicado diariamente. Comece, por exemplo, aplicando seus preceitos quando você for às compras, ou se manifestando sobre os cuidados com o meio ambiente.


Revisão: Maitê Ribeiro
Friedrich Nietzsche (1844-1900)