Desafios do luto

por Sonia Cahen (*)

15.07.2020

'Pequena sereia' , estátua esculpida em 1913 por Edvard Eriksen (Copenhague, Dinamarca)

É possivel reajustar-se após a perda por morte de um ente querido? Como conseguir a reconstrução pessoal diante desse evento?

Proponho neste texto uma reflexão sobre esse momento tão inusitado que estamos passando atualmente. Estamos aprendendo a lidar com uma ameaça real em nossas vidas, que desorganizou todo aquele mundo conhecido em que vivíamos até então. Novo desafio que a humanidade está aprendendo a enfrentar: a COVID 19.

Neste texto não falaremos da morte, tão fatal e determinada a todos nós, em todos os tempos, e sim do luto — a dor de quem ficou.

O “luto” indica aqui a experiência de perda pela morte de alguém amado. Pensaremos um pouco em duas questões que surgem como consequência: O Funeral como ritual e o Como minha vida vai ficar agora?

Nos primeiros momentos do enfrentamento do luto, a tristeza e o medo nos projetam para um futuro de incertezas. Dizer adeus e participar dos rituais do luto pode parecer somente uma “tradição” ou “obrigação” que todos devemos cumprir, mas os rituais auxiliam na concretização da morte e confirmam a perda, além de fornecerem suporte social ao enlutado, tão necessário nessa hora. Constatar a morte pode parecer terrível, mas pensemos nos casos onde o corpo não foi reconhecido ou dado por desaparecido, ou proibido de ser exposto, como vem acontecendo... A impossibilidade desse último adeus surge então como um peso extra na elaboração da perda, pois gera desafios até então inimagináveis.

Velar os mortos, homenageá-los, despedir-se daqueles que amamos, por meio da realização de algum ritual, permite que ocorra um importante processo de reorganização e elaboração da perda, que tornará possível o reinvestimento emocional/social.

O luto coloca-se como um processo dos mais poderosos que podemos viver, pelo seu poder transformador, muda nosso jeito de pensar e agir no mundo.

Quando ocorre a morte de um ente amado, a pessoa precisará se redefinir em um novo papel social e essa é uma tarefa muito complicada para muitas pessoas. Por exemplo, se era casada, agora precisará lidar com a viuvez, ou reaprender formas de lidar com as situações sem a pessoa que se foi, fazer coisas que talvez antes não fizesse, como levar o cachorro para passear ou consertar a torneira, por exemplo. Precisará se redefinir nos múltiplos aspectos da vida, e sem se dar conta, muitas vezes, essas podem se tornar grandes dificuldades ignoradas ou deixadas de lado na sua importância, mas que pesam na resolução do luto.

Não se pode retornar a um nível de funcionamento pré-perda, mas deve-se aprender como viver uma vida significativa, e ajustar-se pode desafiar as suposições do enlutado acerca do mundo e de sua identidade pessoal.

Sabemos que o luto como percurso necessita de tempo para que possa ocorrer a restauração, recuperação ou adaptação das funções. É natural que o estado mental, psíquico, físico e espiritual receba o impacto da perda. Sentimento de tristeza e desamparo, confusão de pensamento, distúrbio do sono e de apetite, dúvidas, preocupações, fadiga, isolamento social, choro, agitação e outros não citados aqui, são comuns aos enlutados.

Nesses momentos alguns enlutados poderão pensar que estão com depressão, ansiedade ou que estão somatizando, pois depressão e luto, trauma e luto apresentam muitas características comportamentais similares; por isso mesmo, na dúvida, deve-se procurar um profissional da saúde.

Quando a perda da pessoa amada se torna psicologicamente traumática, pode ocorrer o luto complicado, no qual os indivíduos não realizam a adaptação adequada a essa nova realidade. Outras situações também colaboram para que isso ocorra, como a duração excessiva do período

de dor e a intensidade dos sentimentos resultantes da relação que se tinha com aquele que partiu.

Podemos perceber então como essa questão é complexa por variar muito de pessoa para pessoa, mesmo porque existem aqueles enlutados que fazem uma boa adaptação à perda, esses são comumente indivíduos inseridos dentro de suas famílias, ou da comunidade que os apoiam. Ocorre também que algumas mortes não desafiam a construção pessoal de significado de forma fundamental, apesar da dor, acontecem de uma forma mais tranquila.

Todo processo central de enfrentamento pelo enlutado é conduzido pela sua história de vida, e este será constantemente revisado pela pessoa ao longo do tempo.

Muito temos a dizer sobre esse tema, pesquisas e estudos estão sempre em constante progresso. Reencontrar o sentido da vida quando tudo parece perdido é uma das tarefas do luto, e a psicologia tem ajudado, com sucesso, a muitas pessoas suportarem e seguirem em frente.


(*)Sonia Cahen é psicóloga Clínica - Trabalha com as abordagens Psicodinâmica e fenomenológica-existencial e articulista convidada.

Cursou Psicologia com habilitação em Bacharelado, Licenciatura e Formação de Psicólogo, no Instituto Unificado Paulista (UNIP SP) - 1977.


Revisão: Maitê Ribeiro

Para saber mais:

Aconselhamento do Luto e Terapia do Luto. Um manual para profissionais da saúde mental

J. William Worden; [tradução Adriana Zilberman, Leticia Bertuzzi, Susie Smidt]. - São Paulo: Roca, 2013.

A intervenção psicológica em emergências: fundamentos para a prática

Organização: Maria Helena Pereira Franco. – São Paulo: Summus, 2015.

O Luto Complicado está no Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais

5.ª edição ou DSM-5, CID 10, referência para as pessoas que trabalham na área da saúde.