Entrevista: Alexandre Kalache(*)

por João Aranha

12.06.2020

O médico gerontólogo se mostra indignado com o tratamento dado aos idosos durante a atual pandemia.


Em entrevista concedida em 30 de maio à jornalista Cláudia Collucci, da Folha de S. Paulo, o médico gerontólogo e ex-diretor da OMS, Alexandre Kalache, 74, analisa o preconceito à idade durante a atual pandemia. Veja a seguir os principais pontos da entrevista:

- Todo preconceito de idade, que eu chamo de “idadismo”, que já existia contra os idosos apenas aflora, aumenta com a questão da Covid. “Deixa morrer! Já viveu muito! E daí?” Parece que ninguém se importa mais com a morte de alguém que já viveu muito. É o que eu tenho chamado de gerontocídio.

- No Brasil não temos ONGs, Conselhos de idosos atuando de forma efetiva e eficaz, a começar pelo federal. O CNDI (Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa) sofreu intervenção ano passado por parte do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. São pessoas totalmente ignorantes nas questões de envelhecimento e que não têm interlocução com a sociedade civil. Está tudo contaminado por um discurso que discrimina.

- As pessoas envelhecem prematuramente e mal. Há pessoas com 45, 50, 55 anos, que já estão velhas. As desigualdades sociais fizeram com que elas tivessem precocemente as famosas comorbidades. Aqui a desigualdade social será determinante. O que mata são as comorbidades. A base da pirâmide, os ferrados, os negros é que vão sofrer mais.

- (sobre o fator idade ter sido usado na alocação de respiradores) – Eles deveriam ter informações suficientes de que o que deve comandar essa escolha é a comorbidade, a capacidade funcional da pessoa. De novo, é uma mistura do idadismo, do preconceito gritante e da ignorância. Sei que a escolha é muito difícil, não estou minimizando, mas é possível fazê-lo com mais critério.

- (sobre os idosos como a principal fonte de renda) – São eles que garantem a comida para os netos, remédios para os filhos. E ainda assim, sofrem todo tipo de abuso, financeiro, físico, emocional, psicológico. A gente vê muito velho ainda trabalhando como vigia, porteiro.

- (sobre as mortes em residências de idosos) – É grande a preocupação com essas inúmeras casas de repouso que fogem de qualquer tipo de fiscalização. Não têm indumentária adequada, não sabem o que fazer, são profissionais pouco treinados. E esses idosos estão mais sozinhos do que nunca.

- (sobre aumento da violência doméstica contra mulheres e crianças) – A última coisa que um idoso, uma idosa, quer fazer é ligar para a polícia e acusar o seu filho, a sua filha, o seu neto. Ainda mais em tempo de isolamento social, em que ele está sendo monitorado o tempo todo. Isso é muito perverso.

- (sobre muitos idosos e idosas terem relutado em ficar em casa) – Atualmente está tão fragmentada e confusa a mensagem de isolamento com o presidente dizendo uma coisa, governador e prefeito dizendo outra, que as pessoas não sabem em quem acreditar. Isso se agrava quando a gente sabe que 30% dos idosos são analfabetos.

- (sobre uma falsa proteção que os idosos julgam ter, por terem sobrevivido a tantas doenças) – Os idosos são o grupo de maior risco, porém, são os mais resilientes. Na OMS, lideramos projetos com idosos em situações de emergência, que passaram por guerras, vulcões, terremotos, tsunamis, enchentes, incêndios. Em todas essas situações, os idosos, junto com as crianças, eram as pessoas mais vulneráveis, mas eram também os mais resilientes na reconstrução.

(*)Alexandre Kalache, 74, graduado em medicina, doutor em saúde pública pela Universidade de Oxford. Trabalhou por 14 anos como diretor do Programa Global de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS). É presidente da Centro Internacional da Longevidade Brasil, membro dos conselhos consultivos na OMS, no Fórum Econômico Mundial e na Associação Mundial de Demografia e Envelhecimento


Revisão: Maitê Ribeiro