Especiarias: dádiva dos deuses

João Aranha

12.10.2020

Desde a mais remota antiguidade, os homens, em busca de especiarias, atravessaram os mares, criaram rotas terrestres e cruzaram desertos e montanhas.

Durante muito tempo as especiarias tiveram um valor extraordinário, chegando a equiparar-se ao ouro. Sessenta gramas de uma boa pimenta correspondiam a 52 gramas de ouro.

Serviam como moeda de troca, eram incluídas nos dotes e nas heranças e eram itens constantes em presentes oferecidos a reis, como atesta o relato dos presentes oferecidos pela rainha de Sabá quando de sua visita ao rei Salomão.

O valor dado pelos antigos às especiarias tem muito a ver com suas múltiplas utilizações.

Usada na alimentação, modificou o simples ato de se alimentar, transformando uma refeição em algo saboroso, ao introduzir o sabor e alterando o gosto.

Consideradas uma dádiva da natureza e um presente dos deuses, as ervas eram usadas como medicamento, nas cerimônias religiosas, nos rituais mágicos e na eterna busca da felicidade, seja através de suas características afrodisíacas ou como inspiradora de grandes feitos. A deusa Atena foi escolhida para ser a madrinha de uma nova cidade graças à oferenda que fez das oliveiras e suas azeitonas, que foram consideradas símbolos de paz e prosperidade e, em sua homenagem, a cidade passou a se chamar Atenas.

Outra lenda diz que a ninfa Mellona foi chamada por Zeus para se encarregar de revitalizar as espécies de uma região onde as abelhas estavam cansadas de suas tarefas junto às plantas. Mellona chorou e suas lágrimas caíram na terra onde prontamente brotou uma planta suave e doce, chamando as abelhas de volta. Mellona a batizou de melissa, popularmente conhecida como erva-doce.

Outra narrativa diz que Apolo desafiou o menino Cupido que lhe lançou uma flecha de ouro no coração, criando uma paixão pela ninfa Daphne que, por sua vez, recebeu uma flecha de chumbo, nascendo uma grande repulsa por Apolo. Perseguida, Daphne roga aos deuses para livrá-la de Apolo e, atendida, ela é transformada em um loureiro. Apolo passa a usar um coroa verde e vistosa de louro, que o acompanharia em todos os seus feitos. A coroa de louros viraria um símbolo para homenagear os vencedores das Olimpíadas, guerreiros, reis e poetas.

Apolo e sua coroa de louros

Difícil dizer de onde se originaram, mas há consenso que a China, a Índia, a região do Crescente Fértil e as ilhas Molucas – conhecida como ilha das especiarias – sempre produziram e exportaram essas ervas.

Constam da Cabala judaica, onde se agradece a Deus a criação de diversos tipos aromáticos e das lendas assírias que diziam que os deuses gostavam de tomar vinho com sementes de gergelim.

O açafrão – a mais cara das especiarias – de cor vermelho-alaranjado, nasceria do sangue derramado do jovem Crocus, morto involuntariamente pelo deus Hermes, daí o nome científico do açafrão ser “Crocus sativus”.

Açafrão

Na Índia as ervas eram as filhas prediletas dos deuses e instruções divinas foram transmitidas a um sábio indiano para que as pessoas pudessem viver mais e serem felizes. Dava-se início, então, há cerca de 5 mil anos, a uma das primeiras práticas medicinais, conhecida como Ayurvédica.

Outro registro bem antigo do uso de especiarias é o Papiro de Ebers, datado de 1550 a.C., época do reinado do faraó egípcio Amenophis que, ao ser examinado, verificou-se que se tratava de uma compilação de textos ainda mais antigos, de cerca de 3.400 a.C.. São 700 fórmulas mágicas, muitas delas com o uso de plantas, indicando remédios para doenças físicas e mentais, cosméticos, ervas próprias para evitar mofo no pão e na cerveja e instruções para fabrico de incensos.

Papiro de Ebers

O mundo antigo está recheado de descrições do uso de plantas na vida cotidiana. Elas estão no jardim do Éden, nos jardins suspensos da Babilônia e em lugares remotos como a China, Índia e nos primeiros povos das Américas.

Se na Babilônia temperava-se o vinho com gergelim, na Grécia preferia-se o alecrim e os egípcios, a erva-doce.

Na Idade Média, os europeus se encantavam com as especiarias que chegavam em pequena quantidade e com alto preço, vindas de locais distantes trazidas por viajantes destemidos como Marco Polo.

Com o advento da navegação, os portugueses se lançaram aos mares, até então desconhecidos. Vasco da Gama, em 1497, dobraria o Cabo das Tormentas, futuro Cabo da Boa Esperança, chegando a Calicute, na Índia, onde tem contato com o fascinante mundo das especiarias, principalmente canela, cravo, gengibre e pimenta.

Esse caminho, que passaria a ser conhecido como Rota das Especiarias, seria trilhado em seguida por holandeses, ingleses e espanhóis, o que viria a alterar os hábitos alimentares como também a mudar o mapa do mundo.

Credita-se ainda o fato de que a busca pelas especiarias trouxe consigo a cultura, hábitos e tradições de países desconhecidos pelos ocidentais, além de introduzir novas práticas comerciais, como o costume de se fazer ofertas pela carga antes que ela saísse de seu porto de origem, num incipiente sistema de bolsa de valores e de seguro marítimo.

Os esforços na tentativa de manter os segredos da origem e do uso das especiarias foram inúteis e logo o costume se espalharia por todo o mundo.

Hoje em dia recomenda-se que, ao conhecer novas cidades de qualquer país, a visita deva começar pelas feiras e mercados, onde uma profusão de cores, sabores e aromas nos aguardam, retratando os costumes, a cultura e a alma de seus habitantes.

Ao caminhar por jardins, como os da cidade italiana de Florença, no meio de ciprestes, oliveiras, limoeiros e uma infindável coleção de ervas aromáticas, talvez possamos entender o verdadeiro sentido da palavra “inspiração”.

Jardins de Boboli, Florença

Veja abaixo com que nome as principais especiarias são conhecidas em alguns países do mundo:

Para saber mais: Viagem ao fabuloso Mundo das Especiarias - Rosa Nepomuceno - José Olympio Editora.



Revisão: Maitê Ribeiro