A desobediência civil

por João Aranha

03.10.2019

Quando Gandhi foi estudar direito em Londres tentou comer carne e se vestir de acordo; no fundo ele queria se tornar um inglês para que fosse respeitado.

A sua cor da pele e seu inglês sofrível logo o traíram.

Não demorou muito para procurar a sociedade vegetariana de Londres e, seguindo essa trilha, chegaria a Sociedade Teosófica de Madame Blavatsky e Annie Bessant.

Bem recebido, Gandhi se espanta com o conhecimento que esses ingleses têm dos livros sagrados hindus, o Bhagavad Gita e os Upanishads.

Ele que sabe muito pouco do sânscrito, resolve dedicar seu tempo a ler e estudar.

Toma conhecimento de textos cristãos e se encanta com o Sermão da Montanha, com a obra Até o Último do inglês John Ruskin e com o texto que mais o influenciaria, o pouco conhecido Manual da Desobediência Civil, do escritor e filósofo transcendentalista americano Henry D. Thoreau.

O que encanta Gandhi é que esses autores não se limitaram a apenas escrever; eles partiram para a ação, colocando em prática suas ideias.

Gandhi implanta o que chamou de Satiagraha – Satia de verdade e Graha de força. Estava implantada a Ahimsa, a não violência.

Thoreau em seu Manual se baseia inicialmente na obrigação imposta pelo governo americano aos cidadãos para que paguem um imposto específico que visava subsidiar a guerra travada contra o México (1846-1848).

No seu entender a guerra objetivava apenas acrescentar mais territórios e implantar nesses territórios a escravidão, sempre com o intuito de fazer prevalecer os interesses econômicos em detrimento do bom senso e da consciência de cada um.

Thoreau diz: “Deve o cidadão por um momento sequer, ou num grau mínimo, renunciar à sua consciência em prol do legislador”?

A desobediência civil visa, de forma não violenta, sensibilizar a opinião pública, encorajando-a para que reaja frente a leis injustas, não colaborando com o dano que ela mesma condena.

Embora ilegal, atitudes de desobediência civil não são antijurídicas. Não é resistir aos governos democraticamente eleitos, mas se posicionar no sentido de reforçar o vínculo entre a sociedade civil e o poder constituinte.

Propõe ser um catalisador de coragem, uma solução democrática de afirmação da cidadania, uma transformação melhor e mais justa da vida em sociedade.

Por se negar a pagar o imposto que julgava injusto e que feria sua consciência, THoreau foi preso e na solidão do xadrez meditava, a respeito da pena que lhe havia sido do imposta, como se ele fosse apenas composto de carne e osso, ignorando o sentido moral e intelectual de um homem, cujos ideias extrapolavam os limites físicos e deveriam perdurar pela eternidade.

Observação: O Manual da Desobediência Civil de Henry David Thoreau costuma ser parte integrante de sua obra Walden ou A Vida nos Bosques, publicado em 1854, considerado um dos cem livros mais edificantes para a humanidade.

Talvez, sem Thoreau, não teríamos tido a filosofia da resistência não violenta de Gandhi, não atentaríamos para o papel que uma voz isolada representa contra as guerras de conquista e da escravidão, além de chamar à nossa razão para uma necessária atenção para os cuidados com o meio ambiente e, principalmente, relembrar o respeito à liberdade individual e ao direito às diferenças e à diversidade.